Um estudo recém-lançado na revista científica Annals of Internal Medicine lança mais dúvidas sobre as políticas que obrigam indivíduos saudáveis a usar coberturas faciais.
Crédito da imagem: www.vperemen.com, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
Poucas questões são mais polêmicas na vida americana moderna do que as ordens de uso obrigatório de máscaras. E o debate está prestes a ficar ainda mais acalorado.
Um estudo recém-lançado na revista científica Annals of Internal Medicine (“Anais da Medicina Interna”, em uma tradução livre) lança mais dúvidas sobre as políticas que obrigam indivíduos saudáveis a usar coberturas faciais na esperança de limitar a disseminação da Covid-19.
“Pesquisadores na Dinamarca relataram na quarta-feira que máscaras cirúrgicas não protegeram os usuários contra infecção pelo coronavírus em um grande ensaio clínico randomizado”, relata o New York Times.
O estudo é talvez a melhor evidência científica até hoje sobre a eficácia das máscaras.
Para conduzir o estudo, que foi feito do início de abril ao início de junho, cientistas da Universidade de Copenhague recrutaram mais de 6.000 participantes que haviam testado negativo para a Covid-19 imediatamente antes do experimento.
Metade dos participantes receberam máscaras cirúrgicas e foram instruídos a usá-las fora de casa; a outra metade foi instruída a não usar máscaras fora de casa.
Aproximadamente 4.860 participantes concluíram o experimento, relata o Times. Os resultados não foram animadores.
“Os pesquisadores esperavam que as máscaras cortariam a taxa de infecção pela metade entre os usuários. Em vez disso, 42 pessoas no grupo de máscara, ou 1,8%, foram infectadas, em comparação com 53 no grupo sem máscara, ou 2,1%. A diferença não foi estatisticamente significativa”, relata o Times.
O Dr. Henning Bundgaard, principal autor do experimento e médico da Universidade de Copenhague, disse ao jornal que os resultados de sua pesquisa são claros.
“Nosso estudo dá uma indicação do quanto você ganha usando uma máscara”, disse Bundgaard. “Não muito.”
O Times observa que a pesquisa “não contradiz as crescentes evidências de que máscaras podem prevenir a transmissão do vírus dos seus usuários para outras pessoas”, mas acrescenta que as descobertas do estudo estão em desacordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), que justamente na semana passada endossaram a visão de que coberturas faciais protegem indivíduos de contraírem o vírus.
No entanto, duas coisas importantes devem ser observadas aqui.
O Times está certo ao dizer que o estudo “não contradiz” evidências que sugerem que as máscaras podem prevenir que pessoas doentes transmitam o vírus a outras pessoas. Mas não foi esse o teste do estudo dinamarquês: como observa o artigo, apenas pessoas saudáveis foram testadas no experimento.
Em segundo lugar, nunca houve muita divergência sobre se as pessoas doentes deveriam usar máscara. Desde o início da pandemia, as autoridades de saúde pública concordaram que as pessoas infectadas deveriam usar máscara para reduzir a probabilidade de transmitir o vírus a outras pessoas.
“As máscaras são importantes para pessoas que estão infectadas, para prevenir que essas pessoas infectem outras pessoas”, observou o Dr. Anthony Fauci lá atrás em março no programa 60 Minutes (“60 Minutos”). “Quando você está no meio de um surto, usar máscara pode fazer as pessoas se sentirem um pouco melhor e pode até bloquear uma gota. Mas não está fornecendo a proteção perfeita que as pessoas pensam que é, e muitas vezes traz consequências indesejadas; as pessoas ficam mexendo na máscara e tocando o rosto.”
Fauci mais tarde mudaria seu posicionamento, dizendo que ele desencorajava as máscaras por se preocupar que faltassem suprimentos. Mas ele não estava errado ao dizer que o uso de máscara traz consequências indesejadas, como pessoas tocando seus rostos várias vezes. (assista ao vídeo abaixo se você duvida disso)
O chefe do CDC, Robert Ray Redfield Jr., foi mais longe do que Fauci, declarando em depoimento público (public testimony) que “essa máscara facial é mais garantida me proteger contra Covid do que quando eu tomar uma vacina contra Covid”.
Porém, a afirmação de Redfield não é apoiada por evidências científicas. Como os autores do estudo dinamarquês apontam, a Organização Mundial da Saúde “reconhece que não temos evidências de que o uso de máscara protege pessoas saudáveis da SARS-CoV-2”.
.@CDCDirector Dr. Robert Redfield: "These face masks are the most important, powerful public health tool we have...I might even go so far as to say that this face mask is more guaranteed to protect me against COVID than when I take a COVID vaccine." pic.twitter.com/yPdsSSQAbr
— CSPAN (@cspan) 16 de setembro de 2020
Os resultados do estudo dinamarquês minam a afirmação de autoridades de saúde pública de que o uso de máscaras cirúrgicas pode proteger os indivíduos da infecção por Covid-19, mas isso provavelmente não encerrará o debate sobre máscaras, que se tornou um dos debates mais acalorados na América hoje.
É importante ressaltar, no entanto, que as máscaras não eram um problema que dividia as pessoas, até que os governos começaram a obrigar seu uso.
Como eu disse antes, argumentos razoáveis e persuasivos podem ser feitos tanto a favor quanto contra o uso de máscaras pela população saudável. Mas ao substituir a escolha individual por ordens coletivas, os gestores públicos politizaram a questão e poluíram a ciência. Por exemplo, cientistas enfrentaram pedidos de retratação em pesquisas que concluíram que as políticas de máscaras-para-todos não eram baseadas em dados sólidos. Além disso, o estudo dinamarquês parece ter sido atrasado porque as revistas médicas estavam desconfiadas das suas descobertas.
Poucos de nós — até mesmo profissionais da medicina, ao que parece — são capazes de responder com algum grau de certeza se as máscaras são uma forma efetiva de proteção contra o coronavírus.
Alguns veem isso como uma razão para forçar todos a usarem máscaras. Ainda que, na verdade, a incerteza é mais um motivo pelo qual a decisão deveria ser deixada para os indivíduos.
“Toda ação racional é, em primeiro lugar, uma ação individual”, observou certa vez o economista Ludwig von Mises. “Apenas o indivíduo pensa. Apenas o indivíduo raciocina. Apenas o indivíduo age.”
Nota do Cabeça Livre:
Não existe “consciência coletiva” ou “pensamento coletivo”, da mesma forma como não existe “digestão coletiva” ou “respiração coletiva” ou “gestação coletiva”. Mesmo em uma situação onde há consenso sobre determinada ação a ser feita, existe a concordância de cada um dos indivíduos em fazer essa ação.
As autoridades de saúde pública não deveriam recomendar uma medida preventiva — muito menos obrigá-la — sem saber se é efetiva (na saúde pública, isso é conhecido como o princípio da efetividade).
Governos forçando pessoas saudáveis ao uso de máscaras sempre foi uma afronta aos direitos que temos sobre nossos próprios corpos e nossa dignidade humana básica.
Também está começando a parecer cada vez mais uma afronta à ciência.
Nota do Cabeça Livre:
Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Jon Miltimore em 18 de novembro de 2020 para a Foundation for Economic Education (“Fundação para Educação Econômica”).
O texto original, em inglês, pode ser conferido aqui: