Cabeça Livre

Covid-19: artigos científicos mostram que lockdown não salvou vidas, ao contrário, pode ter matado mais

Em 16 de março de 2020, o Imperial College divulgou um estudo em seu site sugerindo que medidas drásticas fossem adotadas para tentar conter o avanço da pandemia de Covid-19. Essas medidas incluíam: isolamento e distanciamento social de toda a população, fechamento de escolas e universidades, talvez até mesmo um completo lockdown, o que também impediria as pessoas de irem trabalhar. Esse estudo previa, com base em um modelo matemático feito pelo Imperial College, que a Covid-19 mataria 510 mil pessoas no Reino Unido até o fim de agosto de 2020, caso nenhuma dessas medidas fosse adotada.

Vale observar que esse estudo não foi um artigo publicado em revista científica, tampouco revisado por pares, apenas um relatório disponibilizado no site do Imperial College.

No entanto, foi tomado como base pelo governo do Reino Unido para decretar lockdown uma semana depois, em 23 de março, atitude que foi acompanhada mais cedo ou mais tarde por governos de diversos países em todo o mundo. O epidemiologista e professor Dr Johan Giesecke disse em entrevista ao canal UnHerd em abril de 2020 que nunca viu um artigo não publicado em revista científica ter tanto impacto político.

Lockdowns foram feitos em todo o mundo e muitas pessoas morreram. Hoje, em fevereiro de 2021, quase 1 ano depois, pessoas continuam morrendo e a vida não voltou ao normal.

Mas hoje temos outros estudos que, olhando em retrospectiva os lockdowns que foram feitos, baseando-se em estatísticas do que de fato aconteceu, e não em modelos matemáticos preditivos, apresentam uma conclusão diferente daquela apresentada pelo estudo do Imperial College: a de que lockdowns não contribuíram para salvar vidas da Covid-19. E esses são estudos publicados em revistas científicas e revisados por pares. Há estudos que afirmam que os lockdowns, ao contrário, provocaram ainda mais mortes.

1) Universidade de Toronto

Link para o artigo, revisado por pares e publicado na revista Lancet em 21 de julho de 2020:

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Toronto (no Canadá), da Universidade de Ioannina (na Grécia) e da University of Texas Health Science Center (UT Health, nos Estados Unidos) analisou dados dos 50 países com mais casos de Covid-19.

Nos resultados do artigo, se lê:

[…] government actions such as border closures, full lock-downs, and a high rate of COVID-19 testing were not associated with statistically significant reductions in the number of critical cases or overall mortality.

Traduzindo: “ações do governo como fechamento de fronteiras, lockdowns completos e alta taxa de testagem de Covid-19 não estavam associados a reduções estatisticamente significativas no número de casos críticos ou mortalidade em geral”.

2) Universidade de Edimburgo

Link para o artigo, revisado por pares e publicado no British Medical Journal em 07 de outubro de 2020:

Pesquisadores da Universidade de Edimburgo (no Reino Unido) reavaliaram o modelo matemático do Imperial College e chegaram à conclusão que o lockdown, como foi imposto pelo governo britânico em março, teve êxito em reduzir a demanda por leitos de UTI, mas, por outro lado, prolongou a duração da pandemia e ocasionou, no longo prazo, mais mortes.

Os pesquisadores de Edimburgo adicionaram 3 cenários aos 5 que já haviam sido simulados pelo Imperial College. Além disso, simularam como a evolução da doença — em números de casos e mortes — ocorre de modo diferente nas diferentes faixas etárias.

O estudo de Edimburgo não considera vacinação, assim como o do Imperial College não considerava. Ambos analisaram apenas o lockdown como medida de combate à pandemia.

Em todos os cenários considerados pelo estudo, a única forma de encerrar a pandemia é atingindo a imunidade de rebanho, que é quando um número suficiente de pessoas já foi infectado e o vírus não consegue mais se espalhar. É inevitável que no final grande parte da população estará infectada. Ou seja, é inevitável que o número de casos será alto.

Mas o número total de mortes depende principalmente da distribuição etária dos infectados, e não do número total de infectados. E o número total de mortes é menor se a maior parte dos infectados são pessoas jovens, com menor risco para a doença.

O distanciamento social teria sido mais efetivo em reduzir mortes se tivesse sido feito apenas pelos idosos, em vez de praticado por toda a população sem distinção — jovens e idosos. As medidas deveriam ter focado em lares de idosos, onde as pessoas estavam mais suscetíveis a morrer, em vez de em escolas e universidades, onde não estavam.

3) Universidade de Tel Aviv

Link para o artigo, revisado por pares e publicado na revista EMBO Molecular Medicine em 19 de outubro de 2020:

Pesquisadores da Universidade de Tel Aviv (em Israel) modelaram o distanciamento social com base em dados de localização de divulgados pela Apple, coletados de celulares nos países da OCDE.

Concluíram que nem a duração nem a rigorosidade do lockdown tiveram correlação significativa com as taxas de mortalidade e que um lockdown rígido foi desnecessário.

4) Universidade de Toulouse

Link para o artigo, revisado por pares e publicado na revista Frontiers in Public Health em 19 de novembro de 2020:

Pesquisadores franceses analisaram dados de 160 países nos primeiros 8 meses de 2020, testando vários fatores — como demografia, saúde pública, economia, política e meio ambiente — para descobrir como cada um se relacionava (ou não) com a mortalidade por Covid-19.

Essa análise mostrou que maiores taxas de mortalidade por Covid-19 são encontradas em países mais desenvolvidos, com maiores renda e expectativa de vida. Nesses países, se morre menos por doenças contagiosas e mais por doenças crônicas — como doenças cardiovasculares, diabetes, pressão alta, doenças neuro-degenerativas ou cânceres — e fatores de risco metabólicos — como sedentarismo e obesidade. E todas essas comorbidades estão associadas a um maior risco de morte por Covid-19.

Altas temperaturas e índices ultravioleta (UV) estão associados a baixas taxas de mortalidade.

Com relação às ações governamentais (e esses pesquisadores analisaram o mesmo índice de rigor do isolamento da Universidade de Oxford que eu já havia estudado em maio), não foi encontrada associação com a taxa de mortalidade, sugerindo que outros fatores estudados foram mais importantes para a mortalidade por Covid-19 do que as medidas políticas implementadas para combater o vírus — incluindo o lockdown.

O estudo critica as decisões políticas de fechar academias e aconselha aumentar a imunidade da população e prevenir o sedentarismo incentivando a atividade física.

5) Universidade de Stanford

Link para o artigo, revisado por pares e publicado no European Journal of Clinical Investigation em 05 de janeiro de 2021:

Pesquisadores da Universidade de Stanford (nos Estados Unidos) compararam os efeitos das intervenções mais restritivas — obrigação de ficar em casa e fechar negócios — com os efeitos de outras intervenções menos restritivas no crescimento de casos da pandemia.

Para isso, estimaram a contribuição de cada intervenção no número de casos em 10 países, incluindo Suécia e Coreia do Sul, que não implementaram medidas mais restritivas.

O estudo concluiu que a implementação de quaisquer das intervenções consideradas resultou em desaceleração do número de casos em 9 dos 10 países — a exceção foi a Espanha. No entanto, não foi encontrado benefício claro e significativo em adotar medidas mais restritivas em qualquer país. Reduções similares no crescimento do número de casos podem ser alcançadas com intervenções menos restritivas.

6) Universidade Federal de Pernambuco

De todos os estudos apresentados aqui, esse é o único que não foi revisado por pares nem publicado em revista científica. Está em fase de pré-impresso (preprint). Ou seja, o estudo já foi concluído e foi disponibilizado para consulta, mas falta ser revisado e publicado.

Link para o estudo, postado na plataforma SSRN em 16 de outubro de 2020:

Dois professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bruno Campello e Fernando Campello, investigaram a relação entre a variação no índice de distanciamento social e a variação dias depois no número de mortes por Covid-19 no Brasil.

Para isso, eles compararam dados de localização de celulares, obtidos das empresas In Loco e Google, com os números diários de mortes, divulgados pelo Ministério da Saúde.

Os pesquisadores observaram que o nível de distanciamento social em certo dia tinha forte relação com o número de mortes ocorridas 40 dias depois. E relação positiva, ou seja, um aumento no nível de distanciamento aumentava também o número de mortes dias depois.

A conclusão do estudo é que, no Brasil, o distanciamento social forçado pelo governo aumentou o número de mortes por Covid-19 em vez de reduzir. Em períodos em que o distanciamento atingia níveis mais altos ou aumentava rapidamente, o aumento posterior no número de mortes chegava a quase 14%.

Curiosamente, o estudo mostrou que o distanciamento maior só começava a implicar mais mortes a partir de certo nível. Para os pesquisadores, isso explica porque o distanciamento social pequeno durante o Carnaval de 2020, anterior ao anúncio das medidas restritivas, não produziu um aumento perceptível no número de mortes por Covid-19.

Em entrevista ao programa Os Pingos nos Is, o professor Bruno Campello comenta sobre o seu estudo e sobre a dificuldade em publicá-lo:

Mais informações sobre esses estudos

Se você quiser saber mais sobre esses estudos, a melhor forma de fazer isso é lendo os próprios artigos. Os links para as revistas científicas estão todos listados acima. Você pode clicar em um link, abrir o estudo, ler e tirar suas conclusões por conta própria.

Caso você prefira o formato de vídeo, indico os vídeos a seguir do canal Visão Libertária:

Nesses vídeos, o apresentador Peter Turguniev abre as seguintes notícias:

Meu próprio estudo

Em maio de 2020, eu já alertava aqui no Cabeça Livre que isolamento mais rigoroso não necessariamente significa menos mortes por Covid-19. Eu comparei os dados de um estudo da Universidade de Oxford, sobre os diferentes níveis de restrições adotados por diferentes países, com os números de casos e óbitos por Covid-19. Fiz essa comparação para 12 países. Teve gente que zombou do meu trabalho porque eu era um anônimo em um blog fazendo gráficos e planilhas com o LibreOffice Calc. Foi gratificante para mim ver pesquisadores de universidades publicando artigos científicos meses depois com conclusões semelhantes. Caso tenha interesse, veja meu estudo no texto:

E aqui fica uma lição: não caia na falácia do argumento de autoridade. Um doutor em Matemática e o “João da padaria” estão igualmente certos se disserem que 2+2=4. O argumento em si é mais importante do que o autor do argumento.

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