Cabeça Livre

Em que ano não faltaram leitos de UTI no SUS?

Temos visto diariamente a mídia brasileira noticiar a superlotação dos leitos de UTI no SUS. Notícias como a seguinte culpam o comércio, as escolas, igrejas, bares, restaurantes e pessoas que foram às praias e realizaram festas pelo aumento no número de casos de Covid-19 e, por consequência, no número de leitos de UTI ocupados nos hospitais públicos.

(a notícia não faz menção a outros tipos de “aglomeração”, como eleições, mas enfim)

Mas será que é só desde março de 2020 que os leitos de UTI SUS estão cheios? Convido o leitor a relembrar a situação dos leitos de UTI SUS antes do início da pandemia, em 2020.

Para isso, eu fiz um trabalho investigativo que você mesmo pode fazer por conta própria e chegar às suas próprias conclusões seguindo as instruções a seguir.

Como pesquisar notícias por ano

Acesse o Google e pesquise por falta leitos uti sus. Depois, mude para a aba de Notícias. Clique em Ferramentas, depois em Recentes e, por fim, em Intervalo personalizado:

Informe o período que você deseja pesquisar, por exemplo de 01/01/2019 a 31/12/2019 (talvez você tenha que digitar a data no formato americano, com o mês antes do dia, cuidado com essa “pegadinha” do Google):

Feito isso, você terá notícias com as palavras buscadas no ano desejado:

A seguir, mostro alguns exemplos de notícias que encontrei repetindo essa busca ano a ano.

2019

2018

2017

2016

2015

2014

2013

2012

2011

2010

2009

De 2009 pra trás, o Google Notícias não me retornou mais resultados. Então eu tive que mudar para a busca “comum” do Google, mudando para a aba Todas. Mas nessa aba também é possível filtrar por ano de forma semelhante.

Nessa notícia, é possível ler (ênfases minhas):

Com filas para cirurgias cardíacas que chegam a ultrapassar três anos de espera, o Instituto do Coração (Incor) deve passar a internar ainda neste semestre todos os pacientes da pneumologia do complexo do Hospital das Clínicas (HC) […] A espera é causada pela falta de leitos para a realização de cirurgias eletivas e de urgência.

2006

Nessa notícia, é possível ler (ênfases minhas):

Em dezembro de 2006, o desempregado sofreu um Acidente Vascular Cerebral em sua casa. A família tentou interná-lo em vários hospitais da rede pública. Em nenhum deles havia vagas disponíveis. […] A Secretaria de Saúde do Distrito Federal reconheceu a falta de leitos para tratamentos intensivos.

2005

2003

2001

Nessa notícia, é possível ler (ênfases minhas):

Nos hospitais, faltam leitos para atender aos casos graves. Este é o caso da Santa Casa de Praia Grande, único hospital do município, cujos 100 leitos já são insuficientes para a população fixa de 200 mil habitantes.

2000

Nessa notícia, é possível ler (ênfases minhas):

[…] os leitos de Curitiba seriam suficientes para atender a cidade e a região metropolitana. O problema de falta de vagas e superlotação acaba surgindo por conta de pacientes que vêm de outros municípios. […] Na prática, disse a coordenadora da central, a demanda de bebês acaba sendo maior do que a oferta de vagas.

Conclusão

Parei minha pesquisa no ano 2000, acredito que já encontrei muitas notícias. Mas você pode continuar pesquisando, se quiser. Provavelmente encontrará ainda mais notícias.

As notícias que mostrei acima são de:

  • diversos estados: Rio de Janeiro, Acre, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Ceará (provavelmente tem notícias dos outros estados também, eu que não encontrei)
  • diversos municípios, tanto pequenos, quanto grandes, incluindo capitais: Porangatu (GO), Campo Grande (MS), Fortaleza (CE), Uberaba (MG), Curitiba (PR), Campina Grande (PB), Campanha (MG), Natal (RN), São Paulo (SP), Caraguatatuba (SP)
  • diversos anos: de 2000 a 2019 (apenas em 4 desses 20 anos — 2008, 2007, 2004 e 2002 — eu não achei notícias, mas provavelmente tem também, eu que não encontrei)
  • diversos meses: janeiro de 2009, fevereiro de 2017, abril de 2018, maio de 2019, julho de 2016, setembro de 2014, novembro de 2011, dezembro de 2010 (ou seja, não dá pra associar as faltas de leitos de UTI, por exemplo, com surtos de dengue)
  • se as notícias são de diversos anos, logo, são também de diversos mandatos de presidentes: Bolsonaro (a partir de 2019), Temer (2016 a 2019), Dilma (2011 a 2016), Lula (2003 a 2011), até Fernando Henrique (até 2002)
  • se as notícias são de diversos anos, estados e municípios, logo, são também de diversos mandatos de governadores e prefeitos

Em todas essas notícias, o fato que se observa é o mesmo: faltam leitos de UTI no SUS.

Em diversos momentos antes da pandemia de Covid foi observada falta de leitos de UTI no SUS. Isso não começou a acontecer de março de 2020 pra cá. Ou seja, essa não é a primeira vez em que faltam leitos de UTI no SUS, e não há nada que leve a crer que será a última.

Se o SUS nunca deu conta nem da demanda do dia a dia, podemos acreditar que ele dará conta de uma pandemia, onde a necessidade de leitos de UTI aumenta?

Não é justo pôr a culpa da falta de leitos de UTI no SUS nas pessoas que trabalham, sustentam suas famílias, pagam suas contas e impostos, cumprem com todos os seus deveres de cidadão e tentam, como é possível, se divertir. Talvez a culpa seja dos gestores dos hospitais, talvez a culpa seja dos gestores públicos (prefeitos, governadores, presidentes), talvez o culpado seja outro, mas com certeza a culpa não é da população.

Até porque já mostrei aqui que existem artigos científicos que apontam que medidas como fechar fronteiras, escolas, universidades, academias, comércio, dentre outras medidas adotadas pelo governo, não fizeram diferença no número de casos ou óbitos por Covid-19. Alguns estudos apontam o contrário: essas medidas podem ter feito diferença sim, mas aumentando, e não diminuindo, o número de casos e óbitos.

Você pode argumentar que há outros estudos e especialistas que defendem que restrições são necessárias. Mas eis a beleza da ciência, que não é construída sobre consenso, e sim sobre ceticismo: diversas pessoas testam diversas hipóteses tentando chegar à melhor conclusão. Como já dizia Walt Lippmann, jornalista ganhador de 2 prêmios Pulitzer:

Quando todos estão pensando igual, é porque ninguém está pensando.

Se os gestores não sabem o que fazer, então por que não deixam as pessoas livres pra fazerem o que achar melhor e tentar soluções, em vez de ficar chutando regras e proibições que ninguém sabe se resolvem? Não resolveram até aqui, então por que insistir no erro?

Até quando nossa rotina vai depender da quantidade de leitos de UTI disponíveis no SUS?

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