O psicólogo Jordan Peterson prescreveu, tanto para si mesmo quanto para seu público, uma vida de significado e responsabilidade como um antídoto para o caos e o desespero.
Jordan Peterson passou pelo inferno.
Em meados de 2019, Peterson desapareceu da vida pública enquanto lutava com graves problemas de saúde decorrentes da dependência química de calmantes que lhe eram prescritos de forma controlada.
“Inferno absoluto”, é como sua filha Mikhaila descreveu o que ele passou.
Em outubro de 2020, Peterson ressurgiu no YouTube para anunciar que se recuperou o suficiente para começar a lançar novos conteúdos novamente.
“Estou vivo, e tenho planos para o futuro”, ele disse.
Peterson também está pronto para compartilhar o que aprendeu com sua provação.
“Eu aprendi algumas coisas durante aquele período difícil, suponho”, disse ele, “ou pelo menos posso dizer o que me fez continuar durante o que foi certamente o pior período da minha vida”.
Uma olhada em como Jordan Peterson escapou do submundo com seu espírito intacto pode ser uma lição para todos nós. Mas primeiro vamos traçar brevemente como ele chegou lá, conforme ele e Mikhaila relataram sua jornada em um vídeo de junho.
Descensus ad infernos
A descida de Peterson começou em abril de 2019, quando sua esposa Tammy foi diagnosticada com câncer terminal.
Naquele momento, Peterson experimentou algo que discutiu extensivamente em seus livros e palestras: o colapso da ordem e o surgimento do caos.
Em seu livro best-seller 12 Regras para a Vida: um Antídoto para o Caos, Peterson descreveu a ordem como “território explorado”: o conhecido e o esperado em nossas vidas. “A ordem”, por exemplo, “é a estabilidade do seu casamento”.
De fato, o casamento de Jordan com Tammy foi uma grande fonte de ordem e estabilidade na vida dele. Na seção de agradecimentos de 12 Regras para a Vida, Peterson escreveu que sua esposa Tammy, com quem convivia já há quase 50 anos quando da escrita do livro, “[…] foi um pilar absoluto de honestidade, estabilidade, apoio, ajuda prática, organização e paciência […]”.
Mas então ele foi informado que aquele pilar estava prestes a cair.
“O caos”, escreveu Peterson, “são o novo lugar e tempo que emergem quando a tragédia ataca de repente […]”
“É o novo e imprevisível que surge, de repente, no seio do cotidiano familiar.”
“É o lugar onde você vai parar quando tudo dá errado […]”
E quando as coisas desmoronam, isso pode nos lançar em um loop emocional. Como Peterson escreveu em seu livro anterior, Mapas do Significado: a Arquitetura da Crença, “Quando o mundo permanece conhecido e familiar […] nossas emoções permanecem sob controle. Mas, quando o mundo subitamente se transforma em algo novo, nossas emoções se desregulam […]”
Diante de notícias tão terríveis, a ansiedade de Peterson decolou. Ele já vinha há muito tempo tomando benzodiazepínicos prescritos para ansiedade. Após o diagnóstico de sua esposa, seu médico aumentou a dosagem. No entanto, isso só parecia piorar a ansiedade. Peterson percebeu que havia desenvolvido uma perigosa dependência química.
Tammy desafiou seu diagnóstico se recuperando logo em seguida. Mas a provação de Jordan estava apenas começando.
Seu médico fez com que ele tentasse parar de forma brusca, trocando os remédios. Mas isso fez com que seus níveis de ansiedade aumentassem. Então ele tentou diminuir, mas isso também era insuportável. O pior de tudo foi que ele desenvolveu uma doença chamada acatisia, que Peterson comparou a ser espetado com um aguilhão de gado sem parar durante todas as horas em que estava acordado. A condição o mantinha em constante movimento, pois ficar deitado, sentado ou parado era insuportável.
Então Jordan, junto com Mikhaila e seu marido, começou uma longa busca, primeiro na América do Norte e depois no Leste Europeu, por ajuda médica que o tiraria dos benzodiazepínicos e o ajudaria a se recuperar dos danos neurológicos que ele havia sofrido.
Em vários pontos, Peterson sofreu delírios, alucinações, distorção do tempo e deficiências físicas de tal forma que ele não conseguia subir escadas ou ir para a cama.
“Não é exagero”, relatou Peterson, “dizer que para mim as consequências da abstinência dos benzodiazepínicos foram piores do que a morte”.
“Sabe, você não quer dizer algo assim levianamente”, continuou, “mas houve muitas vezes, várias vezes, quando teria sido preferível, pelo que eu poderia dizer, apenas não estar lá do que passar pelo que eu estava passando.”
Há uma boa razão para não rejeitar o relato de Peterson como um exagero. Por exemplo, um artigo científico publicado em 2017 no American Journal of Preventative Medicine encontrou uma ligação entre as principais doenças físicas e o risco de suicídio.
Como, então, Peterson conseguiu suportar um sofrimento tão agudo? Sua filosofia de vida pode ter algo a ver com isso.
Sofrimento e sobrevivência
“A vida é sofrimento”, escreveu Peterson em 12 Regras para a Vida. “Não há verdade mais básica e irrefutável.”
“O que, afinal, deveria ser feito a respeito disso?”, ele perguntou. “Quer a resposta mais óbvia e direta? Busque o prazer. Siga seus impulsos. Viva para o momento.”
Mas Peterson rejeitou a noção de que a busca da felicidade é o objetivo correto para a vida, citando Aleksandr Solzhenitsyn, um sobrevivente e escritor que documentou os gulags soviéticos, que escreveu:
[…] que a “ideologia deplorável” que sustentava que os “seres humanos são criados para a felicidade” foi “morta pela primeira pancada do bastão do feitor”.
“Em momentos de crise”, explicou Peterson, “o sofrimento inevitável que a vida impõe pode rapidamente tornar ridícula a ideia de que a felicidade é a busca correta do indivíduo. Em vez disso, […] um significado mais profundo era necessário.”
“É muito bom pensar que o sentido da vida é a felicidade”, Peterson elaborou em uma entrevista ao The Guardian, “mas o que acontece quando você está infeliz? A felicidade é um ótimo efeito colateral. Quando ela vier, aceite-a com gratidão. Mas ela é fugaz e imprevisível. Não é algo para se ter como objetivo – porque não é um objetivo. E se a felicidade é o propósito da vida, o que acontece quando você está infeliz? Então você é um fracasso. E talvez um fracasso suicida. A felicidade é como algodão doce. Simplesmente não vai ser o suficiente.”
Em uma entrevista com o Dr. Oz, Peterson disse sobre a felicidade: “é um barco raso em um oceano muito agitado”.
E, de fato, como Peterson relatou, não foi a felicidade que o ajudou a superar sua crise de saúde. “A razão pela qual eu sobrevivi”, disse ele, “certamente não foi porque eu estava curtindo minha vida”.
Então, qual foi o motivo? Que tipo de propósito de vida é forte o suficiente para suportar o grau avassalador de sofrimento que pode se abater sobre nós em tempos de crise e caos? Que “significado mais profundo” sustentará o espírito humano durante uma longa e extenuante estada no submundo: durante um surto de doença grave ou uma temporada em um gulag?
Para Peterson e Solzhenitsyn, a resposta é a responsabilidade.
Como Peterson explicou, Solzhenitsyn abraçou a responsabilidade radical e foi assim que ele sobreviveu ao gulag com seu espírito, não apenas intacto, mas triunfante.
E Peterson credita sua própria sobrevivência ao seu apego à sua família (“A razão [de eu ter sobrevivido] foi porque eu tinha uma família à qual era muito apegado…”) e sua dedicação ao trabalho (“Meu trabalho… também foi extremamente útil porque eu poderia me sustentar produzindo e depois escolhendo pensamentos que foram úteis, apesar da minha angústia… e da minha falta de esperança para o futuro”).
Incrivelmente, Peterson conseguiu continuar trabalhando em seu próximo livro durante a maior parte da sua crise de saúde.
“Responsabilidade: é isso que dá sentido à vida”, disse Peterson certa vez em uma palestra. E, como ele demonstrou na prática, uma vida significativa é aquela que pode resistir a uma tempestade de sofrimento.
Círculo completo
Peterson também credita sua sobrevivência ao apoio da sua família, que ele descreveu como “acima e além do dever”. Sua filha e seu genro foram especialmente úteis, pois tomaram a iniciativa de procurar e obter tratamento médico para ele, mesmo quando essa busca os levou à Rússia no auge do inverno. “Sim, bem, eu não ia desistir,” Mikhaila respondeu depois que Jordan, engasgado pela emoção, agradeceu por sua ajuda.
Isso foi especialmente comovente, visto que Peterson dedicou um capítulo inteiro de 12 Regras para a Vida para contar a história da própria batalha extremamente dolorosa de Mikhaila contra a artrite reumatoide juvenil.
A família Peterson moveu céus e terras para ajudar Mikhaila, tendo o cuidado de não roubar-lhe suas próprias forças, preservando sua autonomia. E agora a responsabilidade que Jordan abraçou há muito tempo voltou para abençoá-lo, com a filha que ele criou e cuidou assumindo o peso de salvar sua vida em retribuição.
“Já vi minha filha adolescente”, escreveu Peterson, “vivenciar a destruição do seu quadril e do seu tornozelo, passando dois anos com uma dor intensa e contínua, e ressurgir com seu espírito intacto. Observei seu irmão mais novo sacrificar, voluntariamente e sem ressentimentos, muitas oportunidades de amizades e interações sociais para ficar ao lado dela e do nosso enquanto ela sofria. Com amor, encorajamento e caráter intacto, um ser humano consegue ser resiliente além da imaginação.”
Admitindo seus erros
Uma das formas pelas quais Solzhenitsyn abraçou a responsabilidade radical foi descobrir dentro de sua alma qualquer culpa que ele mesmo carregava em produzir seus próprios apuros.
Peterson imitou seu herói dessa forma também.
“É bastante chocante pra mim, na verdade”, ele confessou à filha, “que eu não soubesse – apesar da minha especialidade profissional – que eu não tinha ideia de como o uso de benzodiazepínicos poderia ser catastrófico”.
Mikhaila observou ao público que ele não é um psiquiatra, mas um psicólogo. E psicólogos aconselham, mas não prescrevem remédios.
Mesmo assim, Peterson recusou-se a escapar da situação, dizendo: “ainda é útil manter-se atualizado na literatura relevante.”
Peterson também está tentando redimir seus erros e seu sofrimento, difundindo a consciência sobre os perigos do uso de benzodiazepínicos.
Ele também exemplificou a responsabilidade quando abordou de frente uma crítica que alguns fizeram contra ele:
Qual é o velho ditado: “um médico cura a si mesmo”, certo? Eu escrevi um livro de autoajuda. Sou psicólogo. É como “Bem, por que diabos eu não vi isso chegando?” e “Por que não fui mais cauteloso?” E eu acho que essas são perguntas razoáveis. […] Bem, então essa é a próxima pergunta: por que as pessoas deveriam levar a sério qualquer coisa que eu falo, por causa disso? E eu acho que o que eu diria é: se você vai esperar para aprender de pessoas que não cometem erros, ou não têm tragédias em suas vidas, você vai passar muito tempo esperando para aprender algo. E a segunda coisa que eu diria é: em minhas palestras e em meus escritos, eu nunca sugeri que eu fosse outra coisa senão uma das pessoas que também precisava aprender essas lições. Então, eu me incluí na população de pessoas que precisavam de algum aperfeiçoamento moral.
E ele não está dizendo isso apenas depois do que aconteceu. Muito antes da sua doença, ele disse ao The Guardian:
Além disso, [12 Regras para a Vida: um Antídoto para o Caos] não foi escrito apenas para outras pessoas. É um alerta para mim mesmo. Também estou dizendo: “Cuidado, porque o passado sempre volta para assombrar o presente”.
Um médico cura a si mesmo? Onde mais importava, o Dr. Peterson curou a si mesmo.
Ele prescreveu, tanto para si mesmo quanto para seu público, uma vida de significado e responsabilidade como um antídoto para o caos e o desespero. Essa receita salvou sua vida. Algum dia, pode salvar a sua e a minha também.
Nota do Cabeça Livre:
Jordan Peterson já foi assunto de outro texto aqui. Se você quiser saber mais sobre sua história, carreira e livros, e em particular o 12 Regras para a Vida, leia também:
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Autor: Dan Sanchez
Dan Sanchez é o Diretor de Conteúdo da Foundation for Economic Education (FEE, “Fundação para Educação Econômica”) e o editor-chefe da FEE.org.
Tradutor: Daniel Peterson
Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Dan Sanchez em 2 de novembro de 2020 para a FEE.
O texto original, em inglês, publicado sob a licença CC BY 4.0, pode ser conferido em: