A função de sinalização dos diplomas universitários pode ter sido distorcida pelo fenômeno conhecido como inflação de credenciais.
O conceito de inflação (a depreciação do poder de compra de uma moeda específica) se aplica a outros bens além do dinheiro. A inflação está relacionada à Lei da Oferta e Demanda. À medida que a oferta de uma commodity aumenta, o valor diminui. Inversamente, à medida que o bem se torna mais escasso, o valor aumenta. Esse mesmo conceito também se aplica a itens tangíveis, como figurinhas de beisebol antigas e arte rara. Essas são mercadorias raras que não podem ser replicadas de forma autêntica e, portanto, possuem um alto valor no mercado. Por outro lado, figurinhas de jogadores novatos produzidas em massa e réplicas de obras de Monet são abundantes. Como resultado, elas rendem pouco valor no mercado.
A inflação e o princípio oposto da deflação também podem ser aplicados a bens intangíveis. Quando olhamos para o mercado de trabalho, isso se torna bastante evidente. Os empregos que exigem habilidades raras ou excepcionais tendem a pagar salários mais altos. No entanto, também existem diferenciais compensatórios que surgem devido à natureza arriscada ou pouco atraente de empregos indesejáveis. Os salários mais altos se devem à falta de trabalhadores dispostos a aceitar o cargo, e não à posse das habilidades que estão em demanda.
A função de sinalização dos diplomas universitários
Ao longo das últimas décadas, o credenciamento do valor intangível do trabalho se tornou mais prevalente. As credenciais podem variar de diplomas universitários a certificações profissionais. Uma das formas mais comuns de credenciamento se tornou o diploma de uma graduação que dura 4 anos. Essa categoria de documentação de capital humano evoluiu para assumir uma função alternativa.
Exceto por algumas exceções notáveis, o diploma de bacharel serve como uma função de sinalização. Como argumenta Bryan Caplan, professor de Economia na Universidade George Mason, a função de um diploma universitário é principalmente sinalizar para os empregadores em potencial que um candidato a uma vaga de emprego tem as características desejáveis. Conseguir um diploma universitário é mais um processo de validação do que um processo de construção de habilidades. Os empregadores desejam trabalhadores que não sejam apenas inteligentes, mas também obedientes e pontuais. A premissa do modelo de sinalização parece ser validada pelo fato de muitos graduados não estarem utilizando seus diplomas. De fato, em 2013, nos Estados Unidos, apenas 27 por cento dos graduados tinham empregos relacionados ao curso em que se formaram.
Visto que o bacharelado desempenha uma função de sinalização significativa, houve aumentos substanciais no número de candidatos a emprego que possuem diploma de graduação. As taxas de retenção para instituições de 4 anos atingiram um recorde histórico de 81 por cento em 2017. Em 1940, 4,2 milhões de norte-americanos eram formados em faculdades de 4 anos. Hoje, 99,5 milhões de norte-americanos possuem um diploma de bacharel ou nível mais elevado. Esses números demonstram o aumento acentuado no número de norte-americanos obtendo diplomas universitários.
Hoje, quase 40 por cento de todos os norte-americanos possuem um diploma de 4 anos. Considerando o grande aumento na frequência e conclusão da faculdade, é justo questionar se o diploma universitário manteve seu “poder de compra” no mercado de trabalho. Muitas das evidências parecem sugerir que não.
Nota do Cabeça Livre:
No Brasil, dados do censo de 2010 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que o percentual de brasileiros com diploma universitário cresceu de 4,4% em 2000 para 7,9% em 2010.
Fazendo as contas, isso dá um aumento de 79% no percentual de brasileiros graduados entre 2000 e 2010.
Segundo o G1, em 2019, o Brasil tinha 18,3 milhões de graduados, mas apenas 14,5 milhões de empregos que exigiam diploma de Ensino Superior. E tem havido mais trabalhadores com graduação do que empregos que exigem graduação desde 2014.
A população brasileira em 2019 era estimada em 210 milhões de habitantes (estimada porque o último censo foi o de 2010).
Fazendo as contas mais uma vez, temos que o percentual de brasileiros com graduação em 2019 era de 8,7%.
Segundo a Revista Ensino Superior, em 1960 essa porcentagem era de apenas 1,1%.
De novo, fazendo as contas, temos um aumento de quase 8 vezes no percentual de brasileiros graduados entre 1960 e 2019.
Embora a porcentagem brasileira seja menor que a norte-americana (tanto hoje como no passado), é possível perceber que aqui também houve um aumento expressivo no número (percentual) de pessoas com graduação.
O que é inflação de credenciais?
A função de sinalização dos diplomas universitários pode ter sido distorcida pelo fenômeno conhecido como inflação de credenciais. A inflação de credenciais nada mais é do que “[…] um aumento nas credenciais de educação exigidas para um emprego”.
Muitos empregos que antes exigiam não mais do que um diploma do ensino médio agora estão aceitando apenas candidatos com um diploma de bacharel. Essa mudança nas preferências de credencial entre os empregadores agora tornou o diploma de graduação de 4 anos o padrão mínimo não oficial para requisitos educacionais. Esse fato está materializado nas altas taxas de subemprego entre os graduados. Nos Estados Unidos, aproximadamente 41 por cento de todos os recém-formados estão trabalhando em empregos que não exigem um diploma universitário. É chocante quando você considera que, por lá, 17 por cento dos recepcionistas de hoteis e 23,5 por cento dos atendentes de parques de diversões possuem diplomas de graduação. Nenhum desses empregos exigia tradicionalmente um diploma universitário. Porém, devido a um mercado de trabalho competitivo, em que a maioria dos candidatos possui diplomas, muitos recém-formados não têm como se diferenciar de outros funcionários em potencial. Assim, muitos recém-formados não têm outra opção a não ser aceitar empregos de baixa remuneração.
Nota do Cabeça Livre:
De acordo com o G1, no primeiro trimestre de 2020, 40% dos brasileiros graduados entre 22 e 25 anos eram considerados “sobre-educados”, ou seja, estavam em ocupações que não exigiam ensino superior.
Como se vê, nesse sentido, a realidade brasileira é bem próxima da norte-americana.
O valor de um diploma universitário caiu devido ao grande aumento no número de trabalhadores que possuem diploma. Essa forma de depreciação imita o efeito de imprimir mais dinheiro. Seguindo a Lei da Oferta e Demanda, quanto maior a quantidade de uma mercadoria, menor o valor. As hordas de orientadores e pais incentivando os filhos a frequentar a faculdade certamente contribuíram para o problema. No entanto, as políticas públicas têm servido para aumentar ainda mais essa questão.
Vários tipos de programas de empréstimos, bolsas de estudo do governo e outros programas têm incentivado mais alunos a buscar diplomas universitários. As políticas que tornam a faculdade mais acessível – propostas de “faculdade gratuita”, por exemplo – também desvalorizam os diplomas. Mais pessoas frequentando a faculdade tornam os diplomas ainda mais comuns e ainda mais depreciados.
Claro, tudo isso não é para dizer que alunos brilhantes com aspirações de uma carreira nas áreas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) devem evitar a faculdade. Mas para o estudante médio, um diploma universitário pode muito bem ser um mau investimento e atrapalhar seu futuro.
Contrair grandes dívidas para trabalhar por um salário mínimo não é uma decisão sábia. Quando confrontados com políticas e pressões sociais que tornaram a faculdade a norma, os alunos deveriam reconhecer que um diploma universitário não é tudo. Se os alunos focassem mais em obter habilidades comercializáveis do que em obter credenciais, eles poderiam encontrar uma forma de se destacar em um mercado de trabalho inundado de diplomas.
Nota do Cabeça Livre:
De acordo com o Inep, em 2019, o Brasil tinha 2.608 instituições de educação superior, das quais 2.306 eram privadas e 302 públicas. Do total de matriculados no ensino superior (8.604.526), a maior parte, 6.524.108, estava na rede privada.
E quase metade dos alunos matriculados na rede privada (45,6%) contava com algum tipo de financiamento ou bolsa do governo, como o ProUni (Programa Universidade Para Todos) ou o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior).
É bem verdade que a graduação, no Brasil, não é para todos, até porque a maioria das vagas está na rede privada, e muitas pessoas não têm condição de pagar.
No entanto, é possível perceber que há muito incentivo do governo para a graduação (universidades públicas gratuitas, bolsa e financiamento para quem cursa as privadas). É só natural que tamanho incentivo do governo gere distorções no que seria o equilíbrio natural do mercado.
Esse cenário explica porque hoje, no Brasil, um diploma de graduação não é sinônimo nem de emprego, nem de bom salário.
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Autor: Peter Clark
Peter Clark é um blogueiro e defensor entusiasta da economia de livre mercado. Encontre seu trabalho no Medium.
Tradutor: Daniel Peterson
Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Peter Clark em 19 de dezembro de 2021 para a Foundation for Economic Education (FEE, “Fundação para Educação Econômica”).
O texto original, em inglês, publicado sob a licença CC BY 4.0, pode ser conferido em: