A maior parte do que pensamos que sabemos é construída sobre uma longa cadeia de confiança.
Crédito da imagem: Silentpilot - Pixabay
Se alguém lhe perguntasse como você sabe que a Austrália existe, o que você diria? Se você ainda não esteve lá, pode ser uma pergunta surpreendentemente difícil de responder. Você pode apontar para o professor de geografia do ensino fundamental que lhe falou pela primeira vez sobre o país. “Eu sei que existe porque meu professor me disse que existe”, você pode dizer. Alternativamente, você pode mencionar um amigo seu que visitou o país e pode testemunhar sua existência. Por fim, você pode apontar que consultou um atlas e confirmou que o país, de fato, aparece no mapa.
Embora cada uma dessas justificativas possa parecer convincente, todas elas se apoiam em um eixo crítico: a confiança. “Confie em mim”, diz seu professor, “eu investiguei isso”. “Confie em mim”, diz seu amigo, “eu vi com meus próprios olhos”. “Confie em nós”, dizem os editores do atlas, “consultamos os especialistas”.
Certamente, essas são muitas vezes fontes confiáveis, mas é importante reconhecer que, em algum sentido fundamental, você está escolhendo acreditar no que outras pessoas lhe disseram. Se você nunca verificou você mesmo, na verdade você não sabe que a Austrália existe, você apenas confia que ela existe.
Confiança e autoridade
O motivo pelo qual essa pergunta é importante é que ela nos revela o quanto nos submetemos à autoridade no nosso pensamento. É fácil nos considerarmos incrivelmente conhecedores, mas, se formos honestos, é muito mais que somos incrivelmente confiantes. Aceitamos o que a “autoridade” nos disse em quase todos os domínios, e com muito pouca resistência.
C.S. Lewis chamou a atenção para esse fenômeno no seu livro Cristianismo Puro e Simples. Na verdade, a seguinte passagem é o que inspirou o presente artigo.
Não tenha medo da palavra “autoridade”. Se você acredita em algo por causa da autoridade de alguém significa apenas que você acredita porque a pessoa que lhe deu a informação é confiável. Noventa e nove por cento das coisas em que acreditamos são acreditadas em função da autoridade de alguém. Acredito, por exemplo, que exista um lugar chamado Nova York, mesmo sem ter estado lá e mesmo sem conseguir provar sua existência pelo raciocínio abstrato. Acredito nisso porque pessoas confiáveis assim o garantem. O homem comum acredita no sistema solar, nos átomos, na evolução e na circulação do sangue por causa da autoridade de alguém – porque os cientistas o afirmam. A única prova que temos de qualquer declaração histórica é também a autoridade. Nenhum de nós testemunhou a conquista normanda ou a derrota da Invencível Armada. Nenhum de nós poderia provar pela lógica pura que essas coisas aconteceram como se pode provar uma equação matemática. Acreditamos nelas simplesmente porque algumas testemunhas deixaram relatos escritos a seu respeito: na verdade, acreditamos nelas por causa de uma autoridade. Um homem que demonstrasse ceticismo em relação à autoridade em outros assuntos, como certas pessoas o fazem em relação à religião, teria de se contentar com não saber absolutamente nada.
Como Lewis aponta, não há nada de errado em acreditar nas coisas com base na autoridade. Fazemos isso o tempo todo, e isso nos ajuda a fazer nosso caminho no mundo.
Mas, embora não haja nada inerentemente errado em confiar em várias fontes, eu diria que tendemos a ser um pouco confiantes demais como cultura. Acreditamos nas palavras das autoridades, mesmo quando provavelmente não deveríamos.
Todo o fiasco da Covid é certamente um grande exemplo disso. Quantas evidências foram necessárias para convencer uma pessoa comum a tomar a vacina? Vergonhosamente poucas. As pessoas também compraram as ideias de lockdowns e obrigatoriedade de máscaras simplesmente porque alguns “especialistas” disseram que essas políticas eram uma boa ideia.
A questão das mudanças climáticas é outro grande exemplo de quanto depositamos confiança cega nas autoridades intelectuais. Como a maioria de nós não tem experiência no assunto, resignamo-nos a acreditar na palavra dos especialistas. Mas tudo bem, temos certeza, porque “97% dos cientistas do clima concordam”. Como sabemos que existe um “consenso”, podemos confiar neles, certo?
Não tão rápido. Pergunte a si mesmo: você realmente sabe que existe um consenso de 97%? Você mesmo examinou os dados brutos sobre as opiniões dos especialistas? Se não o fez, então também nesse caso você está se submetendo à autoridade. Você está confiando na fonte desse número de 97%. Especificamente, você está confiando que as pessoas que chegaram a esse número não estão te enganando e que a coleta e a representação dos dados sobre as opiniões dos especialistas são razoáveis, imparciais, precisas e completas.
Lembre-se: você não sabe realmente que 97% dos cientistas do clima concordam, você confia que 97% dos cientistas do clima concordam. (Acontece que esse número é mais duvidoso do que a maioria das pessoas imagina).
Novamente, não há nada de errado com a confiança. Mas precisamos ter cuidado para não confiar com muita facilidade, porque as coisas nem sempre são o que dizem ser.
A cultura da “citação necessária”
Então, como podemos evitar confiar com muita facilidade? Minha proposta é que adotemos o que chamo de cultura da “citação necessária”.
Como o nome sugere, a ideia aqui é criar uma cultura onde habitualmente exigimos evidências, especialmente para ideias controversas. Sempre que alguém fizer uma alegação, sua resposta instintiva deve ser “citação necessária”.
Durante nosso crescimento, aprendemos a considerar as coisas pelo seu valor nominal, a levar a palavra do professor ao pé da letra. Mas esse é um mau hábito, que faríamos bem em abandonar. Especialmente como adultos, precisamos adotar um ceticismo saudável e questionar tudo, até mesmo as coisas com as quais todos parecem concordar.
A cultura da “citação necessária” também se trata de chegar o mais próximo possível da fonte primária, de modo a minimizar em quantas pessoas você precisa confiar. Quando você obtém suas informações de políticos, a cadeia de confiança provavelmente é: político-jornalista-cientista-dados. São muitas oportunidades para distorção (intencional ou não). Se você puder, é melhor ir direto ao cientista ou, melhor ainda, aos próprios dados brutos (supondo que você possa interpretá-los).
Outra parte da cultura da “citação necessária” é a humildade intelectual. Não importa o quão “óbvio” ou “autoevidente” algo pareça, se a sua alegação se resume a “estou confiando em uma autoridade”, então provavelmente você não deveria ser muito dogmático sobre isso. Isso é especialmente pertinente para ideias heterodoxas, como teorias da conspiração. O Holodomor aconteceu? Acho que sim, mas não pesquisei sobre isso pessoalmente. Estou confiando nas pessoas que pesquisaram, tanto quanto estou confiando nos geógrafos que me dizem que a Austrália existe.
O problema é que as pessoas muitas vezes defendem dogmaticamente alegações com base em “todo mundo sabe” que isso é verdade, ou “especialistas concordam” que isso é verdade. Mas apelos à maioria ou à autoridade não prosperam na cultura da “citação necessária”. Mostre-me os comprovantes, e então acreditarei em você.
Além da frase “citação necessária”, então, a outra frase que deveria ser um refrão comum é “não tenho conhecimento suficiente para ter uma opinião informada sobre isso”. É muito melhor admitir a ignorância do que fingir que sabe algo quando na verdade apenas acabou de ouvir falar sobre isso na TV.
Murray Rothbard disse bem, comentando sobre o campo da economia: “não é crime ser ignorante em economia”, disse ele, “que é, afinal, uma disciplina especializada e que a maioria das pessoas considera uma ‘ciência sombria’. Mas é totalmente irresponsável ter uma opinião forte e vociferante sobre assuntos econômicos enquanto se permanece nesse estado de ignorância.”
O mesmo vale para todos os outros campos, seja história, ciência do clima, doenças infecciosas ou geografia. Confie nas autoridades o quanto quiser, mas tome cuidado para não confundir confiança com conhecimento.
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Autor: Patrick Carrol
Patrick Carroll é o editor-chefe da Foundation for Economic Education (FEE, “Fundação para Educação Econômica”).
Tradução original por: Instituto Rothbard
Tradução revisada e republicada por: Daniel Peterson
Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Patrick Carrol em 2 de dezembro de 2022 para a FEE.
O texto original, em inglês, publicado sob a licença CC BY 4.0, pode ser conferido em: