Cabeça Livre

Covid-19: alguns países já passaram do pico

Falemos um pouco da pequena mídia agora. Essa notícia, publicada no dia 15 de abril no site do jornal Diário da Amazônia, cita uma análise feita por Isaac Ben-Israel, atualmente professor na Universidade de Tel-Aviv e chefe da Agência Espacial Israelense:

De acordo com uma análise do professor Isaac Ben-Israel, chefe da Agência Espacial israelense, os dados mostram que o número de casos de Covid-19 atingem o pico com 40 dias e chegam a zero em cerca de 70 dias. Para chegar ao número, ele investigou a progressão da doença em diversos países, tanto os que adotaram medidas severas como os que optaram por medidas mais brandes, como Singapura, Taiwan e Suécia.

Cético como sou, fui conferir os números eu mesmo.

Será?

Descobri que o Google Notícias fornece um serviço bastante interessante de estatísticas sobre a Covid-19 no mundo todo:

A fonte de dados do Google é a Wikipedia, que por sua vez tem obtido os números de fontes oficiais dos governos de todo o mundo. Essa página cita todas as referências da Wikipedia.

Observei que os números do Google não são exatamente iguais aos do Our World in Data, que usei no meu estudo anterior, mas são próximos.

No Google, é possível conferir um gráfico que eu sinto falta na maioria das notícias: novos casos confirmados em cada dia.

Vejamos os gráficos de alguns dos países que analisei no meu estudo anterior.

Itália

  • Início: 31 de janeiro, confirmados: 2
  • Pico: 21 de março (50 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 6.557
  • Atualmente: 18 de maio (108 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 451
Novos casos ao longo do tempo na Itália. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo na Itália. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

França

  • Início: 25 de janeiro, confirmados: 13
  • Pico: 31 de março (66 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 7.578
  • Atualmente: 18 de maio (114 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 492
Novos casos ao longo do tempo na França. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo na França. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

Espanha

  • Início: 31 de janeiro, confirmados: 1
  • Pico: 26 de março (55 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 9.159
  • Atualmente: 17 de maio (107 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 469
Novos casos ao longo do tempo na Espanha. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo na Espanha. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

Alemanha

  • Início: 24 de janeiro, confirmados: 16
  • Pico: 28 de março (33 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 6.294
  • Atualmente: 19 de maio (109 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 513
Novos casos ao longo do tempo na Alemanha. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo na Alemanha. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

Japão

  • Início: 16 de janeiro, confirmados: 1
  • Pico: 11 de abril (86 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 743
  • Atualmente: 18 de maio (108 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 60
Novos casos ao longo do tempo no Japão. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo no Japão. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

Até aqui, vimos países em que a velocidade de propagação da pandemia, indicada pela quantidade de novos casos confirmados que surgem a cada dia, já está consideravelmente reduzida, passados 100 dias do primeiro caso confirmado.

Já deu pra perceber que a previsão do professor (pico com 40 dias e zero em 70 dias) não se confirmou. Mas é perceptível que a pandemia tem perdido velocidade. E isso já podia ser percebido nos países acima (exceto Japão) em 12 de abril, quando ele fez sua análise.

Estados Unidos

  • Início: 21 de janeiro, confirmados: 1
  • Pico: 24 de abril (94 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 36.137
  • Atualmente: 14 de maio (114 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 26.762
Novos casos ao longo do tempo nos Estados Unidos. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo nos Estados Unidos. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

Nos Estados Unidos, aparentemente, com os dados que dispomos até agora, o pico foi atingido em 94 dias. Embora o gráfico ainda apresente picos locais, é possível perceber tendência de redução. Ainda assim, a curva indica que essa redução é mais lenta em comparação com os países mostrados anteriormente.

Suécia

  • Início: 04 de fevereiro, confirmados: 1
  • Pico: 29 de abril (85 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 778
  • Atualmente: 14 de maio (114 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 673
Novos casos ao longo do tempo na Suécia. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo na Suécia. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

A análise do gráfico da Suécia permite uma conclusão semelhante à dos Estados Unidos.

Brasil

  • Início: 26 de fevereiro, confirmados: 1
  • Pico (até agora): 15 de maio (79 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 15.305
  • Atualmente: 17 de maio (81 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 7.938
Novos casos ao longo do tempo no Brasil. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo no Brasil. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

No caso do Brasil, o que se observa até agora é que, a cada dia que passa, o número de casos confirmados no dia só aumenta. Não é um gráfico em linha reta:

  • no dia 09 de maio, foram confirmados 10.611 casos, o pico até então
  • no dia 11 de maio, foram confirmados 5.632 casos, um ponto mínimo local
  • no dia 15 de maio, foram confirmados 15.305 casos, um novo pico
  • no dia 17 de maio, foram confirmados 7.938 casos

Se os casos começarão a reduzir ou seguirão aumentando, só saberemos daqui a alguns dias. Continuemos observando.

Índia

  • Início: 30 de janeiro, confirmados: 1
  • Pico (até agora): 18 de maio (109 dias depois), novos casos confirmados nesse dia: 5.242
Novos casos ao longo do tempo na Índia. Fonte: [Google](https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR). Acesso em: 19 de maio de 2020.

Novos casos ao longo do tempo na Índia. Fonte: Google. Acesso em: 19 de maio de 2020.

A análise da Índia é mais parecida com a do Brasil do que com a dos países anteriores.

O que a grande mídia acha disso?

Se você pesquisar no Google Notícias por Isaac Ben-Israel, verá que seu nome até aparece mencionado em algumas notícias da mídia brasileira, geralmente sem grande ênfase:

Outras notícias criticam a análise desse professor e um vídeo que o menciona:

O estudo mencionado no vídeo de fato existe e foi publicado por Isaac Ben-Israel em seu perfil no Facebook, no dia 12 de abril. O artigo não apresenta referências bibliográficas, nem cita a origem dos dados utilizados para a elaboração dos gráficos. Também não foram encontrados indícios de que tenha sido submetido à revisão por pares, termo que se refere ao processo de validação científica dos métodos e conclusões por outros especialistas da área.

É verdade que a análise do professor não aparece em um trabalho científico feito por uma universidade e publicado em uma revista científica, mas em um arquivo PDF armazenado no Google Drive e compartilhado na página do professor no Facebook.

Mas e quanto ao vídeo considerado falso? Vejamos o que aconteceu.

Censura?

O youtuber Anderson Von Almeida, cujo canal no YouTube tem como principal tema o Bitcoin, começou recentemente a fazer vídeos falando sua opinião sobre a pandemia.

No dia 22 de abril, ele publicou um vídeo em que mencionava a análise do professor Isaac.

A grande mídia publicou notícias, como a referida, criticando o vídeo:

No mesmo dia em que essa notícia foi publicada, 01 de maio, o YouTube removeu o vídeo do canal. Antes disponível em youtu.be/5x506UtnCOE, o vídeo agora não pode mais ser visto:

YouTube removeu o vídeo. Acesso em: 19 de maio de 2020.

YouTube removeu o vídeo. Acesso em: 19 de maio de 2020.

Em resposta, algumas pessoas subiram o vídeo de novo em outros lugares, como, por exemplo, no Facebook, o vídeo ainda pode ser visto nesse perfil.

O próprio autor enviou o vídeo para o LBRY, uma plataforma de compartilhamento de conteúdo descentralizada. O vídeo pode ser visto aqui:

No dia 09 de maio, Anderson publicou mais um vídeo, dessa vez respondendo ao Estadão. Esse novo vídeo ainda não foi removido do YouTube e pode ser visto aqui:

Conclusão

Os números do professor Isaac Ben-Israel não se confirmaram. No entanto, ao buscar a confirmação desses números, me deparei com uma observação interessante: em alguns países, o pico da pandemia já passou. Em outros, ela está perdendo força. Na verdade, seria possível perceber isso já em 12 de abril, por isso o professor não estava de todo errado.

Não vou entrar no mérito da discussão entre Anderson e Estadão. Sugiro a quem tiver tempo e curiosidade que veja o primeiro vídeo no LBRY, depois leia a notícia do Estadão e, por fim, assista ao segundo vídeo no YouTube e tire suas próprias conclusões.

Apenas quero deixar uma reflexão sobre censura: a ideia de checar os dados no Google veio a partir da leitura da notícia publicada no Diário da Amazônia. Perceba que a notícia não é falsa, o título dela é “Covid-19: Professor israelense diz que bloqueio não funciona” (de fato, o professor disse isso). Ela seria falsa se trouxesse essa afirmação como se fosse verdade ou como se fosse de autoria dela: “Covid-19: bloqueio não funciona”. Além disso, embora os números não tenham se confirmado, se o jornal tivesse retirado essa notícia, possivelmente eu não teria acesso a conteúdo semelhante, que me instigaria a fazer essa investigação.

Em resumo: no processo de construção da verdade, a voz de todos é importante.

Você não concorda com algo que leu? Responda, comente embaixo, escreva sobre, boicote, faça qualquer coisa, mas, por favor, não censure.

Lembre-se: quem defende a censura, pode um dia sofrer censura.

Claro, o YouTube é uma empresa, armazenar vídeos em seus servidores ocupa espaço, transmitir vídeos demanda rede, ela não é obrigada a manter um vídeo, se ela não quer, especialmente se ela pensa que esse vídeo pode criar uma impressão negativa do serviço.

Por outro lado, se os clientes percebem exclusões de vídeos como censura, é possível que procurem outros serviços para transmitir seus vídeos, e isso no longo prazo pode reduzir o faturamento do YouTube. Mas imagino que a empresa tem ciência disso e pesa essas questões antes de tirar vídeos do ar.

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