Já mostrei aqui que lockdown (ficar em casa, fechar escolas, universidades, comércio, igrejas, bares, restaurantes, etc) não tem fundamentação científica, pois não reduz os números de casos e óbitos de Covid-19, que é, ao menos em tese, ao que se propõe.
Mas e se eu te disser que lockdown também não tem fundamentação jurídica, porque viola direitos fundamentais e mesmo a Constituição? É o que mostram decisões recentes de diversos juízes por todo o Brasil, que veremos a seguir.
É livre o exercício de qualquer trabalho
No dia 16 de março, um lojista de Ribeirão Preto (SP), foi preso porque abriu seu estabelecimento para trabalhar. Ele teria desobedecido o Decreto Estadual nº 65.563/2021 do Governo de São Paulo, que ordenou o fechamento do comércio na chamada “fase emergencial” da pandemia de Covid-19. O comerciante, além de abrir seu comércio, teria incitado outros comerciantes a abrirem também. A Polícia o prendeu em flagrante alegando prática dos crimes previstos nos artigos 268, 286 e 330 do Código Penal — infração de medida sanitária preventiva, incitação ao crime e desobediência a ordem legal, respectivamente.
No dia seguinte, o juiz Giovani Augusto Serra Azul Guimarães, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Comarca de Ribeirão Preto, reconheceu a ilegalidade da prisão em flagrante e decidiu pela soltura do comerciante. Na decisão, o juiz menciona os seguintes trechos da Constituição que falam dos direitos fundamentais (em negrito, os trechos que ele destacou):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[…]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[…]
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
[…]
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; […]
O juiz lembra, na decisão, que tais direitos fundamentais só poderiam ser restritos, de acordo com os artigos 136 e 137 da Constituição, se o país estivesse em regimes de exceção como o Estado de Defesa ou o Estado de Sítio. Esses regimes de exceção, de acordo com esses mesmos artigos, teriam que ser decretados pelo Presidente da República e também aprovados pelo Congresso Nacional. Atualmente, não vigora nenhum desses regimes de exceção no Brasil, de modo que tais direitos fundamentais não poderiam ser restringidos por lei — ou nesse caso, ainda mais grave, um Decreto do Poder Executivo.
Isso já seria suficiente para afirmar que o Decreto do Governo Estadual que ordenou o fechamento do comércio é “manifestamente inconstitucional, e, portanto, nulo de pleno direito”, nas palavras do juiz. Mas ele lembra ainda da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6341, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 24 de março de 2020, que decidiu que as medidas adotadas pelas autoridades governamentais no combate à pandemia devem ser devidamente justificadas, obedecer aos critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e ter respaldo científico.
Respaldo científico já sabemos que elas não tem, como vimos no texto:
Inclusive dois dos estudos tratados nesse texto, o da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o da Universidade de Stanford, foram citados pelo juiz na decisão. Ele citou ainda um terceiro estudo, na mesma direção, publicado na revista científica britânica Nature.
Quanto à OMS, o médico David Nabarro, enviado especial para Covid-19 da OMS, afirmou em entrevista à revista britânica The Spectator, em outubro de 2020, que “a OMS não defende o lockdown como o principal meio de controle desse vírus”. Na entrevista, Nabarro também destaca os impactos econômicos e sociais negativos do lockdown. “Veja o que está acontecendo com os níveis de pobreza: parece que podemos muito bem ter uma duplicação da pobreza mundial no próximo ano”.
Você pode conferir por conta própria a decisão do juiz acessando o site do TJSP em:
Informe o número do processo 1500681-23.2021.8.26.0530 e o código 73F1195.
Livre exercício dos cultos religiosos
O pastor evangélico Arthur de Araújo Neves Neto, que ministra cultos na Igreja Família 61, em Recife (PE), entrou na Justiça com um mandado de segurança contra o Decreto Estadual nº 50.433/2021 do Governo de Pernambuco, que proibiu a prática de atividades sociais de forma presencial visando combater a disseminação da Covid-19. O pastor requereu liminar que lhe assegurasse o direito de continuar ministrando seus cultos religiosos presenciais, observadas as regras sanitárias estabelecidas pelas autoridades governamentais.
Na sua petição, o pastor argumentou que o Decreto Estadual não só viola cláusula pétrea da Constituição da República, como também não se encontra em conformidade com a Lei Federal nº 13.979/2020, regulada pelo Decreto Federal nº 10.282/2020, que não restringiu a atividade religiosa, reconhecendo-a como essencial. No Decreto Federal, se lê:
Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º.
§ 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:
[…]
XXXIX - atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde; […]
Bem lembrado pelo pastor foi o conceito de saúde da OMS, que “vai além da mera ausência de doenças. Na verdade, só é possível ter saúde quando há um completo bem-estar físico, mental e social de uma pessoa.” Ele mencionou também um estudo realizado pela Universidade de Harvard e publicado em 2016 na revista JAMA Internal Medicine. O estudo, que acompanhou durante anos a saúde de milhares de enfermeiras, encontrou que a mortalidade era 33% menor entre as mulheres que frequentavam uma igreja mais de uma vez por semana, em comparação com as mulheres que nunca frequentaram igrejas.
A liminar foi concedida em 19 de março pelo desembargador Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), 12º Gabinete do Órgão Especial, tendo em vista que o direito invocado pelo pastor é assegurado a todos pela Constituição:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[…]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
[…]
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; […]
Segundo o desembargador, “a realização de evento religioso com as medidas sanitárias adequadas, especialmente quanto ao número de fieis, para fazer o distanciamento apropriado, não se mostra mais danoso que outras atividades permitidas no Decreto”. O desembargador afirma não ver suporte constitucional ou científico que justifique a proibição ao culto religioso de forma presencial. Na decisão, ele também se mostrou a favor do tratamento precoce, que já foi assunto de outro texto aqui no blog:
Você pode conferir a decisão do desembargador acessando o site do TJPE em:
Informe o processo 0004104-21.2021.8.17.9000.
Livre iniciativa e propriedade privada
Na cidade de França (SP), representantes de 20 casas lotéricas se uniram e entraram com um mandado de segurança contra o Decreto Municipal nº 11.217/2021 da Prefeitura de França, que proibiu, dentre outras, a atividade de lotéricas e correspondentes bancários.
Em 21 de março, o juiz Charles Bonemer Junior, do TJSP, Comarca de França, concedeu a liminar para que as lotéricas possam funcionar. Ele baseou sua decisão nos mesmos trechos da Constituição mencionados pelo juiz de Ribeirão Preto. Charles lembra que o Brasil não se encontra em estado de sítio ou de defesa e que, por isso, é inadmissível que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam suspensos, “ainda que sob o enganoso pretexto de ‘salvar vidas’”, nas palavras dele. Ele cita outros trechos da Constituição:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…]
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[…]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XXII - é garantido o direito de propriedade; […]
O juiz lembra que “não adotamos o regime comunista, de planificação estatal”. Ele também lembra que o Decreto Federal nº 10.282/2020, “muito mais razoável e condizente com a realidade”, na avaliação dele, considera as lotéricas como serviços essenciais:
Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º.
§ 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:
[…]
XL - unidades lotéricas.
Especificamente com relação às lotéricas, o Decreto não se atenta à Resolução nº 4.880/2020 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que dispõe sobre o horário de funcionamento bancário, estabelecendo o mínimo de 5 horas de atendimento ao público, e a comunicação de mudanças nesse horário com antecedência mínima de 30 dias. Também há jurisprudência do STF (Recurso Extraordinário nº 118.363) no sentido que o horário de funcionamento bancário é matéria que, por sua abrangência, transcende ao Município e compete exclusivamente à União legislar sobre o assunto.
Ainda segundo o juiz, o Decreto “também viola a liberdade religiosa, prejudica quem necessita de fisioterapia, intervém indevidamente nas escolas particulares, cerceia o direito de ir e vir (passível de habeas corpus), congestiona os ônibus, viola competência da União impedindo o funcionamento dos correios…”
O juiz questiona o Decreto até mesmo com base nas estatísticas apresentadas nos boletins epidemiológicos do próprio município, que dão a entender que a situação não está tão ruim quanto o Decreto faz crer.
Na minha opinião, a argumentação do juiz foi bastante densa e bem embasada. Para além das questões jurídicas, ele “mete a bomba” em “tudo que está aí” de forma muito incisiva. Vou selecionar apenas mais dois trechos, dentre os vários que achei interessantes, para não me alongar mais. Se estiver com tempo, leia a decisão toda, são 8 páginas, mas vale a pena.
O pacto federativo encontra-se abalado e o país está dividido. Quem sofre é o povo assalariado ou autônomo, que vem sendo humilhado e afrontado em sua inteligência por medidas arbitrárias e contraditórias que serão motivo de escárnio contra nossa geração, se a humanidade um dia recobrar a razão. Como pode um serviço ser considerado essencial em um município e em outro não, em um Estado sim, mas em outro não? Isso não é interesse local, por óbvio.
[…]
O decreto, baixado numa sexta-feira, que determina o fechamento de agências bancárias, lotéricas e correspondentes bancários já na segunda-feira seguinte é de um grau de insensibilidade, falta de proporção e de consciência da realidade imperdoáveis. Quem precisa sacar cheques no caixa, receber benefícios, fazer pagamentos ou quitar compromissos que se venceram a partir de sábado foi, simplesmente, surpreendido por um ato impensado do executivo municipal. Já passamos por fase amarela, laranja e vermelha. Nunca os bancos e agências lotéricas foram fechados, nem mesmo quando a situação do município estava pior […]
Você pode conferir a decisão por conta própria acessando o site do TJSP em:
Informe o número do processo 1000011-02.2021.8.26.0608 e o código 743A33F.
Aulas presenciais são atividades essenciais
Pais e mães de alunos matriculados no Colégio Suíço-Brasileiro de Curitiba, em Pinhais (PR), foram surpreendidos pelo Decreto Municipal nº 223/2021 da Prefeitura de Pinhais, que ordenou a suspensão das aulas presenciais, visando o enfrentamento da pandemia de Covid-19. No entanto, o Decreto Estadual nº 4.230/2020 do Governo do Paraná autoriza as aulas presenciais em todo o Estado do Paraná, desde que seguidas as devidas normas sanitárias, e a Lei Estadual nº 20.506/2021 reserva ao governador o direito de restringir as atividades e serviços educacionais. Diante disso, os pais entraram com mandado de segurança contra o Município de Pinhais requerendo o direito às aulas presenciais.
A liminar foi concedida em 18 de março pela juíza Rita Borges de Area Leão Monteiro, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Vara da Fazenda Pública de Pinhais, autorizando o retorno imediato das aulas presenciais no Colégio Suíço-Brasileiro de Curitiba, desde que seguidos os protocolos de biossegurança previstos na legislação. A autorização não foi apenas para os filhos dos autores da ação, mas extensiva a toda comunidade escolar do colégio, permitindo, assim, o retorno voluntário dos que desejarem aulas presenciais.
Na decisão, a juíza lembra que a ADI nº 6341 deu competência aos municípios para legislar sobre medidas de combate à Covid-19, mas pondera que tal competência não é ilimitada, uma vez que decretos municipais não devem infringir leis estaduais e federais. Ela também lembra que essas medidas “devem ser devidamente justificadas, obedecer aos critérios da Organização Mundial de Saúde e gozar de respaldo científico” e afirma que a proibição das aulas presenciais em escolas particulares do município de Pinhais não está fundamentada em critérios técnicos, nem nas peculiaridades da cidade.
A juíza observa ainda que o Decreto Municipal permite o funcionamento durante o lockdown de certas atividades cuja classificação como “essenciais” é duvidosa, mas não entra no mérito da questão. Minha opinião é que toda atividade é essencial, porque, em última análise, toda atividade é essencial pelo menos para a pessoa cujo sustento depende dessa atividade. Não sei quais eram as “certas atividades” às quais a juíza se referia e, se ela preferiu não se manifestar sobre o assunto, eu também não vou. Mas observo que os Art. 4º e 5º do Decreto de Pinhais, que listam quais atividades são consideradas essenciais, têm 7 e 65 incisos, respectivamente. Portanto, 72 atividades são consideradas essenciais. Na verdade, encontrei pelo menos uma atividade que é listada duas vezes (mercado de capitais e seguros, no Art. 5º, incisos XXVI e LV). Não vejo porque escolas estão fora dessa lista.
Você pode conferir a decisão por conta própria acessando o site do TJPR em:
Informe a chave identificadora PJTH2 PDU9H DT5ZP SQUNA.
Para referência, o número do processo é 0001851-22.2021.8.16.0033.
Liberdade de ir e vir
Em São José do Rio Preto (SP), o advogado David Viana Tedeschi entrou com habeas corpus preventivo contra o Decreto Municipal n° 18.861/2021 da Prefeitura de São José do Rio Preto, com “receio de sofrer constrangimento ilegal iminente em sua liberdade de locomoção, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder exercido pela Autoridade”. O Decreto proíbe práticas esportivas em espaços coletivos públicos ou privados.
Em 22 de março, o desembargador Souza Meirelles, do TJSP, 12ª Câmara de Direito Público, concedeu o habeas corpus ao advogado, assegurando-lhe a liberdade plena de locomoção nos limites territoriais do Município de São José do Rio Preto sem incorrer em penalidades. Segundo o magistrado, embora o Decreto contenha algumas medidas necessárias para conter a disseminação do vírus, tenta “implantar um bizarro ‘Estado de Sítio Municipal’”.
Na decisão, o desembargador afirma que não compete ao município suspender ou negar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e em relação a tais direitos aplicar quaisquer penalidades. Não se pode consentir que sejam delegados poderes constitucionais aos prefeitos, muito menos “para suprimir franquias liberais historicamente conquistadas às duras penas na marcha ascendente da civilização, muito menos por meio de simples Decreto.”
Foge ao “peculiar interesse” do Município “impedir a livre circulação em escala coletiva de pessoas nas vias e logradouros públicos, determinar toque de recolher, paralisar a Economia sem efetivas contrapartidas econômico-financeiras aos súditos”.
Segundo o desembargador, os bens comuns da coletividade podem ser usados por todos os cidadãos e esse direito é maior que “a vontade despótica de qualquer agente público ou privado”. O uso dos bens comuns é “uma faculdade da liberdade humana e não um direito subjetivo adquirido do Estado”.
Os direitos fundamentais jamais podem “se sujeitar ao psiquismo e à formação moral de quem quer que ocupe posto de Autoridade Pública”. Aliás, é justamente nesses períodos de calamidade ou comoção nacional que os direitos humanos precisam ser mais protegidos. Porque é justamente nesses períodos que regimes totalitários tendem a aparecer, disfarçados sob medidas restritivas de caráter temporário e excepcional. Em tempos de paz, o direito de ir e vir deve ser absoluto. De outro modo, voltaríamos aos tempos das carruagens. Parece, ao magistrado, “o mesmo que tirar ao edifício da Democracia seu alicerce”.
No final da decisão, o desembargador cita o filósofo Immanuel Kant:
Negar a liberdade é tão impossível para a mais abstrusa filosofia quanto para a mais simples razão humana. (Immanuel Kant, imagem do site Pensador)
Você pode conferir por conta própria a decisão acessando o site do TJSP em:
Informe o número do processo 2058949-51.2021.8.26.0000 e o código 14935D90.
Liberdade de caminhar na praia
Em 15 de maio de 2020, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPESP) denunciou um cidadão do Guarujá (SP) por caminhar pela Praia da Enseada e se recusar a sair de lá após ordem de agentes da Guarda Municipal. Ele foi preso em flagrante por supostamente ter praticado os crimes previstos nos artigos 268, 329, 330 e 331 do Código Penal — infração de medida sanitária preventiva, resistência, desobediência e desacato, respectivamente.
O juiz Edmilson Rosa dos Santos, do TJSP, 3ª Vara Criminal do Guarujá, rejeitou a denúncia e absolveu o acusado recentemente, em 18 de março de 2021. Em sua decisão, ele transcreve parte da decisão do juiz de Ribeirão Preto, mas acrescenta argumentos interessantes:
Não razoável reputar como “crime” o fato de um cidadão desarmado e sozinho caminhar pacificamente pela praia, ainda que se alegue inadequação dessa conduta perante alguma norma administrativa ou algum “decreto” do Poder Executivo local.
[…]
Isolamento social pode gerar outros sérios problemas de saúde publica, tais como depressão, suicídios, stress, enfermidades psicossomáticas, fobias etc, e dependendo de alguns decretos que restringem funcionamento de clínicas de psicologia, o cidadão que não tem acesso a internet estaria impedido até de se socorrer ou de obter alimentos.
O ser humano precisa “arejar sua cabeça” e algumas das formas é andar na faixa arenosa, andar na faixa d’água, mergulhar, contemplar o horizonte, sentir a brisa do mar etc. O poder público que isto impedir, comete absurdo excesso de restrição ao direito de ir e vir.
[…] Resumindo o argumento: direito penal não é panacéia, não pode servir de remédio geral para a crise social ou para crise sanitária, notadamente quando em detrimento dos cidadãos mais humildes e desassistidos.
O juiz lembra que, de acordo com a Constituição, a areia da praia pertence à União, esfera Federal, de modo que a Prefeitura não teria poder de polícia naquele local:
Art. 20. São bens da União:
[…]
VI - o mar territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
Na decisão, o juiz observa que no caso concreto não havia sequer comprovação técnica de que o cidadão estivesse contaminado, ou em fase da doença passível de disseminação, e que, portanto, não se podia presumir que ele atuasse com intenção de disseminar a doença.
Você pode conferir por conta própria a decisão do juiz acessando o site do TJSP em:
Informe o número do processo 1501568-23.2020.8.26.0536 e o código 66ACB45.
Toque de recolher é inconstitucional
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) pediu habeas corpus coletivo preventivo contra o Decreto Municipal nº 21.393/2021 da Prefeitura de Campinas (SP), que impôs restrições à liberdade de ir, vir e ficar dos cidadãos, com abordagem pela Polícia Militar e Guarda Municipal. O Decreto determina a detenção do cidadão que descumprir as restrições impostas, “toque de recolher de pessoas e veículos em vias públicas” e bloqueios nas vias públicas.
O juiz Wagner Roby Gidaro, do TJSP, 2ª Vara da Fazenda Pública de Campinas, concedeu ontem, 26 de março, o habeas corpus coletivo preventivo solicitado pela Defensoria Pública. A Prefeitura não deve cumprir com as medidas administrativas que imponham condução coercitiva de pessoas no horário do “toque de recolher”.
Na decisão, o juiz afirma que:
[…] as medidas que determinam “toque de recolher”, “encaminhamento” de pessoas para lavratura de Termo Circunstanciado e a restrição de “circulação de pessoas”, ultrapassam os limites do Poder de Polícia Municipal e ofende direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, que somente podem ser objeto de restrição em situações previstas na própria Constituição Federal.
Na decisão, o juiz lembra ainda que o Poder de Polícia atribuído à Prefeitura não é ilimitado, mesmo nesse momento de calamidade pública.
Você pode conferir por conta própria a decisão do juiz acessando o site do TJSP em:
Informe o número do processo 1011914-61.2021.8.26.0114 e o código A0586A3.
Referência: juíza Ludmila Lins Grilo
Eu soube desses casos pelo grupo no Telegram da juíza Ludmila Lins Grilo.
Atuante no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Unaí, a juíza Ludmila Grilo se tornou conhecida nas redes sociais após postar um vídeo em seu perfil no Twitter em que “ensinava” como andar no shopping sem máscara:
Passo a passo para andar sem máscara no shopping de forma legítima, sem ser admoestado e ainda posar de bondoso:
— Ludmila Lins Grilo (@ludmilagrilo) 4 de janeiro de 2021
1- compre um sorvete.
2- pendure a máscara no pescoço ou na orelha, para afetar elevação moral;
3- caminhe naturalmente. pic.twitter.com/bmuS7eGEnL
Ela é crítica ferrenha das medidas que restringem liberdades individuais impostas por prefeitos e governadores sob a justificativa da pandemia da Covid-19:
Parei pra comer uma pizza aqui, rapidão. Pizzaria tá cheia, mas não se preocupem: como eu já estou sentada, o vírus passa por cima.🍕 ✌️ pic.twitter.com/S7soaQV9EQ
— Ludmila Lins Grilo (@ludmilagrilo) 4 de janeiro de 2021
Outra publicação sua que gerou polêmica foi um vídeo da virada de ano em Búzios (RJ):
Feliz Ano Novo! #AglomeraBrasil pic.twitter.com/envpwzK9ZR
— Ludmila Lins Grilo (@ludmilagrilo) 1 de janeiro de 2021
A juíza se manifestou favorável aos protestos contra o lockdown em Búzios, que culminaram na Justiça derrubando as restrições:
Uma cidade que não se entregou docilmente ao medo, histeria ou depressão. Aqui, a vida continua. Foi maravilhoso passar meu réveillon nessa vibe.
— Ludmila Lins Grilo (@ludmilagrilo) 2 de janeiro de 2021
Por se opor à tirania e ao totalitarismo do lockdown, a juíza Ludmila Grilo tem sofrido pressão da mídia, de advogados, de magistrados e de defensores do “fique em casa”.
Se quiser saber de mais decisões como essas, siga a juíza Ludmila Grilo no Twitter ou no Telegram.
Conclusão
É nosso dever moral, e obrigação, desobedecer a uma lei injusta. (Martin Luther King, imagem do site Pensador)
Agora que você já sabe que não é crime ir trabalhar, nem ir à praia, nem ir à igreja, nem sair à noite, o que vai fazer esse final de semana?