Novos dados da Europa sugerem que a abordagem laissez-faire da Suécia para lidar com a pandemia estava longe de ser catastrófica.
Poucas pessoas em 2020 estiveram sob mais pressão do que Anders Tegnell, o principal epidemiologista da Suécia.
Mas o homem que definiu a abordagem laissez-faire da Suécia para gerenciar a Covid-19 no início da pandemia diz que novos dados internacionais revelam uma dura verdade sobre os lockdowns dos governos.
Nota do Cabeça Livre:
Laissez-faire é uma expressão em francês que significa “deixe fazer” (em tradução livre). Ela simboliza um modelo político e econômico de não intervenção estatal. (fontes: Wikipedia e Senso Incomum)
“Penso que as pessoas provavelmente refletirão com muito cuidado sobre essas paralisações totais, o quão boas elas realmente foram”, disse Tegnell em uma entrevista recente à Reuters. “Talvez elas possam ter surtido efeito no curto prazo, mas quando você olha ao longo da pandemia, você tem cada vez mais dúvida”.
Tegnell estava se referindo a dados publicados pela Reuters que mostram que a Suécia, que evitou os lockdowns rígidos adotados pela maioria das nações ao redor do mundo, vivenciou um aumento em sua taxa de mortalidade menor do que a maioria dos países europeus em 2020.
Dados preliminares da agência de estatísticas da União Europeia, a Eurostat, compilados pela Reuters, mostraram que a Suécia teve 7,7% mais mortes em 2020 do que sua média nos quatro anos anteriores. Países que optaram por vários períodos de lockdowns estritos, como a Espanha e a Bélgica, tiveram a chamada mortalidade em excesso de 18,1% e 16,2%, respectivamente.
21 dos 30 países com estatísticas disponíveis apresentaram maior mortalidade em excesso do que a Suécia. No entanto, a Suécia se saiu muito pior que seus vizinhos nórdicos, com a Dinamarca registrando apenas 1,5% de mortalidade em excesso e a Finlândia, 1%. A Noruega não teve mortalidade em excesso de forma alguma em 2020.
"Some believed that it was possible to eliminate disease transmission by shutting down society. We did not believe that and we have been proven right." - Johan Carlson, Director, Public Health Agency of Sweden @CarlsonJFoHM @Folkhalsomyndhttps://t.co/GEQH8YpP1N
— Martin Kulldorff (@MartinKulldorff) 26 de março de 2021
“Alguns acreditavam que era possível eliminar a transmissão da doença fechando a sociedade. Não acreditávamos nisso e temos provado que estávamos certos”. (Johan Carlson, Diretor, Agência de Saúde Pública da Suécia)
(Mais) Revanche
Por quase um ano, a Suécia esteve na vanguarda do debate sobre como os governos deveriam responder ao coronavírus.
Relatórios de abril passado mostraram que, apesar das críticas generalizadas por não abraçar um lockdown total do governo, a Covid-19 havia alcançado o que Tegnell descreveu como um “platô” na Suécia.
“Se a caracterização de Tegnell se mostrar verdadeira, será uma grande revanche para a Suécia, que tem sido amplamente denunciada por contrariar a tendência entre os governos de impor decretos draconianos de ‘abrigo em casa’ que paralisaram a economia mundial e atiraram milhões ao desemprego”, reportou a Bloomberg à época.
Meses depois, dados mostraram que a Suécia havia “achatado a curva” com sucesso, em contraste a muitos outros pontos críticos globais.
Here’s the good news: You can shut down businesses or keep them open. Close schools or stay in session. Wear masks or not. The virus will make its way through in either case, and if we protect the elderly then deaths will be spared. pic.twitter.com/AVg0Vu8aH2
— Yinon Weiss (@yinonw) 13 de julho de 2020
Aqui está a boa notícia: você pode fechar negócios ou mantê-los abertos. Fechar as escolas ou manter as aulas. Usar máscaras ou não. O vírus vai seguir seu caminho em qualquer dos casos, e se protegermos os idosos, então mortes serão poupadas.
Muitos críticos contestaram comparando a taxa de mortalidade da Suécia com a de seus pares nórdicos Noruega e Finlândia, que tinham algumas das taxas de mortalidade mais baixas da Europa. A Noruega e a Finlândia, no entanto, adotaram políticas ainda menos restritivas que as da Suécia durante a maior parte da pandemia.
Especialistas em saúde pública na Suécia dizem que os dados mais recentes são mais uma evidência de que a Suécia foi uma das poucas nações a tratar o vírus da forma correta. “Alguns acreditavam que era possível eliminar a transmissão da doença fechando a sociedade”, disse Johan Carlson, Diretor da Agência de Saúde Pública da Suécia. “Não acreditávamos nisso e temos provado que estávamos certos”.
O lado negro dos lockdowns
Pandemias são terríveis e a Covid-19 é uma doença desagradável. (Eu mesmo a tive recentemente, e não foi um piquenique. Fiquei gravemente doente por dias.) Mas legisladores em todo o mundo cometeram dois erros de cálculo graves quando decidiram descartar as liberdades fundamentais e adotar lockdowns.
Primeiro: eles concluíram que poderiam conter um vírus por meio de planejamento central. Eles falharam — como vários estudos acadêmicos mostram.
Segundo: os legisladores esqueceram a realidade básica das relações de “perde-e-ganha” (tradeoffs), algo que o economista e cientista político James Harrigan reconheceu no início da pandemia.
Em tempos de crise, as pessoas querem que alguém faça alguma coisa, e não querem ouvir falar em tradeoffs. Esse é o terreno fértil para grandes políticas conduzidas pelo mantra “se isso salvar pelo menos uma vida, valeu a pena”. O governador de Nova York, Andrew Cuomo, invocou o mantra para defender suas políticas de fechamento. O mantra tem ecoado por todo o país, desde conselhos municipais a prefeitos, conselhos escolares, à polícia e ao clero como justificativa para fechamentos, toques de recolher e distanciamento social forçado.
Pessoas racionais entendem que não é assim que o mundo funciona. Independentemente de reconhecermos ou não, relações de “perde-e-ganha” existem.
O que Harrigan e Davies queriam dizer é que as políticas nem sempre funcionam como planejado. Com frequência, elas vêm com uma série de consequências indesejadas, que podem ser adversas ou mesmo destrutivas.
“Toda ação humana tem consequências intencionais e não intencionais”, Antony Davies e James Harrigan explicaram. “Seres humanos reagem a cada regra, regulação e ordem que os governos impõem, e suas reações resultam em resultados que podem ser muito diferentes dos resultados que os legisladores pretendiam.”
Um motivo pelo qual a Suécia viu uma taxa de mortalidade menor do que a maioria de seus pares europeus é porque seus líderes reconheceram isso. Como resultado, a Suécia evitou muitos dos danos colaterais associados aos lockdowns, que incluem dificuldades econômicas, aumento do suicídio, depressão por isolamento social, abuso de drogas e álcool e outras consequências adversas à saúde pública.
A América não reconheceu isso. Por exemplo, os EUA viram a saúde mental atingir o menor nível em 20 anos no ano passado. O CDC reporta depressão crescente entre jovens. Houve picos de suicídio e overdoses de drogas.
Globalmente, vimos tendências semelhantes. O suicídio de crianças está aumentando em todo o mundo, disseram médicos recentemente à Associated Press.
“Essa é uma epidemia internacional e não a estamos reconhecendo”, disse o Dr. David Greenhorn, que trabalha na unidade de emergência da Enfermaria Real de Bradford, na Inglaterra. “Na vida de uma criança de 8 anos, um ano é muito, muito, muito tempo. Elas estão fartas. Elas não conseguem ver o fim disso.”
Isso é de partir o coração. Também é enlouquecedor porque o líder da saúde pública dos Estados Unidos reconheceu no início da pandemia que os lockdowns prolongados poderiam causar “danos irreparáveis”.
“Não podemos ficar presos por um período de tempo considerável que possa causar danos irreparáveis e ter consequências indesejadas, incluindo consequências para a saúde”, disse à CNBC no ano passado o Dr. Anthony Fauci, o principal especialista em doenças infecciosas do país.
Fauci estava certo. Infelizmente, ao contrário de Tegnell, não teve a coragem de suas convicções. E os americanos pagaram o preço.
Nota do Cabeça Livre:
Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Jon Miltimore em 26 de março de 2021 para a Foundation for Economic Education (“Fundação para Educação Econômica”).
O texto original, em inglês, pode ser conferido aqui:
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