Ontem, a BBC publicou uma matéria, em inglês, questionando porque tantos bebês estão morrendo de Covid-19 no Brasil. Mas há falhas com relação aos números que ela traz.
Logo no início da matéria, se lê:
More than a year into the pandemic, deaths in Brazil are now at their peak. But despite the overwhelming evidence that Covid-19 rarely kills young children, in Brazil 1,300 babies have died from the virus.
Traduzindo:
Após mais de um ano de pandemia, as mortes no Brasil estão agora no pico. Mas, apesar da evidência esmagadora de que a Covid-19 raramente mata crianças pequenas, no Brasil 1.300 bebês morreram do vírus.
Mais adiante, a matéria traz dados supostamente obtidos de um boletim epidemiológico do Ministério da Saúde:
Between February 2020 and 15 March 2021, Covid-19 killed at least 852 of Brazil’s children up to the age of nine, including 518 babies under one year old, according to figures from the Brazilian Ministry of Health. But Dr Marinho estimates that more than twice this number of children died of Covid. A serious problem of underreporting due to lack of Covid testing is bringing the numbers down, she says.
Traduzindo:
Entre fevereiro de 2020 e 15 de março de 2021, a Covid-19 matou pelo menos 852 crianças brasileiras de até nove anos de idade, incluindo 518 bebês com menos de um ano de idade, de acordo com dados do Ministério da Saúde do Brasil. Mas a Dra. Marinho estima que mais do dobro desse número de crianças morreram de Covid. Um problema sério de subnotificação devido à falta de testes para Covid está trazendo os números para baixo, diz ela.
Já há uma contradição dentro da própria matéria. No início, ela diz que morreram 1.300 bebês, mas depois diz que foram 518. Uma explicação para isso poderia ser a suposta subnotificação. Mas como se chegou a essa conta de 1.300 não fica claro na matéria.
Vejamos o segundo trecho, que tem um link, que parece ser a fonte dos dados.
Abrindo o link que a própria matéria traz, é possível perceber que se trata de um boletim epidemiológico referente à semana epidemiológica 8 de 2021, que vai de 21 a 27/02/2021:
Logo, para o período “entre fevereiro de 2020 e 15 de março de 2021”, não é possível obter os números citados nesse documento. O link aponta para o documento errado.
Em busca dos números corretos para esse período, não encontrei uma estatística de óbitos por Covid-19 por faixa etária no Brasil publicada pelo Ministério da Saúde (se souber onde encontrar, por favor, comente).
Mas encontrei esses dados no Portal da Transparência do Registro Civil:
Note que os dados incluem um período de tempo até maior: de 1 de fevereiro de 2020 a 15 de abril de 2021. Portanto, os dados do Registro Civil abrangem 1 mês a mais de pandemia.
Passando o mouse na primeira faixa etária (até 9 anos), aparecem mais informações:
Somando os números, temos que de 1 de fevereiro de 2020 a 15 de abril de 2021, a Covid-19 matou 554 crianças brasileiras de até nove anos de idade — menos que as 852 noticiadas.
Com relação aos bebês com menos de um ano de idade, não há informação precisa no site do Registro Civil. Mas se o número para até nove anos de idade foi menor que o noticiado, é possível que o número para menos de 1 ano de idade seja menor que o noticiado também.
Você pode se perguntar: mas você não acha que mesmo 554 crianças são muitas crianças?
Eu te respondo: depende. Ao menos em números absolutos, são sim, com certeza.
Mas lembremos que o Brasil é o 5º maior país do mundo em território, ocupando mais de 8 milhões de km², boa parte da América do Sul (fonte: Wikipedia). E é também o 6º país mais populoso do mundo, com aproximadamente 212 milhões de habitantes (fonte: Wikipedia).
Não quero com isso relativizar essas mortes. Claro que toda e qualquer morte é muito triste, principalmente pros parentes próximos. A esses, meus pêsames. O que quero com isso é lembrar que devemos ser razoáveis e proporcionais em nossas comparações. A humanidade perdeu qualquer senso de proporcionalidade de 2020 pra cá. Parece que todas as demais doenças foram esquecidas e agora só existe a Covid-19.
Pesquisando sobre as principais causas de morte entre crianças no Brasil, eu encontrei uma estatística do ano de 2015 em um artigo científico publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia (se souber de alguma estatística mais recente, por favor comente):
Nessa tabela, chamo a atenção para o seguinte:
- acidentes de trânsito foram a 11ª causa de morte infantil, levando 734 crianças
- desnutrição foi a 9ª causa, levando 938 crianças
- meningite foi a 8ª causa, levando 945 crianças
Cada uma dessas 3 causas matou mais crianças em 2015 do que a Covid-19 em mais de ano. Mas nenhuma delas resultou em proibir as crianças de ir às escolas naquele ano.
Na minha opinião, essa matéria da BBC se esforça em tentar aumentar a gravidade da Covid-19 entre bebês e crianças. Ela traz uma história realmente triste e comovente. Mas é importante lembrar que essa foi uma tragédia, esse foi um caso isolado. A quase totalidade das crianças não é acometida pela Covid-19 da mesma forma que a criança da matéria. A grande mídia se apega a pontos fora da curva e ignora todas as outras crianças saudáveis, assim como todas as outras que sofrem de outras doenças que não a Covid-19.
Mas se as crianças estivessem indo para a escola, não estariam levando o vírus para casa e contaminando seus avós? Não teríamos, com as escolas abertas, mais mortes por Covid?
Em primeiro lugar, observo que a matéria da BBC não trata do risco de as crianças transmitirem Covid-19 para seus avós. A matéria trata do risco da Covid-19 para as próprias crianças. Mas, independente disso, respondendo à pergunta, afirmo com segurança que sem essa proibição não teríamos ainda mais mortes por Covid-19. Já foi provado cientificamente que lockdowns (essas medidas que tem sido adotadas para combater a pandemia, inclusive fechar escolas) não salvaram vidas, existem artigos científicos que mostram isso.
Mas será que os números oficiais não são menores que a realidade? Ou seja, será que não tem mais gente morrendo por Covid-19 do que os números oficiais afirmam? (a tão falada “subnotificação”) A grande mídia vive falando disso. Mas você já parou pra pensar que pode ser talvez o exato oposto, ou seja, será que os números não estão, na verdade, inflados?
Esteja vigilante ao sensacionalismo da mídia, já que notícias ruins dão mais audiência.
Agradeço ao Iain Davis do site In This Together, que me mostrou essa notícia da BBC.