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Os 1% mais ricos detém um valor recorde de riqueza nos Estados Unidos. Veja quanto — e por quê.

Crédito da imagem: Federal Reserve

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Foi um ótimo ano para os 1% mais ricos. Não é difícil ver por que muitos deles ficaram felizes em repetir o clichê “fique em casa”.

Parece que 2020 foi um caso clássico do efeito Cantillon — com uma reviravolta.

Em abril de 2020, Peter R. Orszag, o CEO de Assessoria Financeira na Lazard, fez uma previsão em um artigo da Bloomberg.

“A pandemia de Covid-19 provavelmente nos deixará com uma economia na qual as empresas maiores desempenham um papel expandido, representando uma parcela maior tanto do emprego quanto da receita”, escreveu Orszag, que anteriormente atuou como diretor do Gabinete de Gestão e Orçamento do Presidente Obama.

Seria a versão corporativa do efeito Matthew: os fortes só ficariam mais fortes. Quase 15 meses depois, os dados econômicos do Federal Reserve mostram que Orszag estava certo. O que já era forte de fato ficou mais forte — e muito mais rico.

Um ótimo ano para os ricos (especialmente os 1% mais ricos)

Dados recém-divulgados pelo Fed mostram que os 1% mais ricos agora detém 32,1% de toda a riqueza nos Estados Unidos. Essa é a maior porcentagem da riqueza que os 1% mais ricos detém desde que o Fed começou a publicar o conjunto de dados em 1989 (veja abaixo).

Isso representa um aumento de quase 20% em relação ao período pós crise financeira de 2007-2008, e quase 35% em relação a 1990.

Crédito da imagem: Federal Reserve

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Esses dados não deveriam ser surpreendentes. Um ano atrás, enquanto pequenas empresas eram arruinadas por lockdowns, especialistas como Jim Cramer apontavam que estávamos testemunhando “uma das maiores transferências de riqueza da história”. Enquanto as pequenas empresas estavam caindo “como moscas”, observou o anfitrião do “Mad Money”, os EUA estavam testemunhando “a primeira recessão em que as grandes empresas… estão saindo praticamente ilesas, se não indo para o ouro.”

No entanto, não foram apenas os super-ricos que ficaram mais ricos. Como o The Wall Street Journal reportou recentemente, os dados mostram que a maioria dos norte-americanos ficou mais rica em 2020, especialmente as famílias ricas.

As famílias norte-americanas adicionaram 13,5 trilhões de dólares ao seu patrimônio no ano passado, de acordo com o Federal Reserve, o maior aumento nos registros ocorrido em três décadas. Muitos norte-americanos de todas as classes quitaram dívidas de cartão de crédito, economizaram mais e refinanciaram em hipotecas mais baratas. Isso desafiou as convenções de crises econômicas anteriores. Em 2008, por exemplo, as famílias dos EUA perderam 8 trilhões de dólares.

Esse aumento de riqueza, no entanto, não foi uniformemente distribuído. Os dados mostram que as famílias mais ricas — as 20% mais ricas — responderam por quase US$ 10 trilhões dos US$ 13,5 trilhões em nova riqueza criada em 2020.

Como isso aconteceu é bastante claro. Para evitar um colapso econômico, uma vez que grandes áreas da economia foram fechadas pelos lockdowns impostos pelo governo, os EUA tomaram emprestado, gastaram e emprestaram trilhões de dólares.

“[Essas ações] impulsionaram muito do boom inesperado do mercado de ações”, escreveram os repórteres do WSJ Orla McCaffrey e Shane Shifflett. “As taxas de juros muito baixas atraíram mais investidores para as ações; os trabalhadores presos em casa tentaram a sorte no trade e os gigantes da tecnologia ganharam ainda mais terreno durante o lockdown.”

O resultado? Wall Street (isto é, o mercado de ações) tornou-se o maior gerador individual de nova riqueza familiar, respondendo por quase metade de toda a nova riqueza. Embora seja verdade que o governo federal gastou cerca de US$ 850 bilhões em cheques de estímulo que foram para famílias de baixa renda e classe média, os norte-americanos ricos foram, de longe, os maiores beneficiários da bonança de gastos.

“Os norte-americanos que mais ganharam durante 2020 foram os que tinham muito mais riqueza para começar”, observa o Journal. “Casas, ações e contas de aposentadoria — que as pessoas mais ricas têm mais chances de possuir — dispararam em valor, e esses aumentos provavelmente permanecerão.”

Um caso clássico do efeito Cantillon

Para pessoas que se preocupam com desigualdade e justiça básica, o cenário descrito acima é alarmante, talvez até enfurecedor. No entanto, mais uma vez, não deveria ser surpreendente.

Mais de um quarto de milênio atrás, Richard Cantillon sugeriu que imprimir dinheiro novo não afeta a todos da mesma maneira. O economista franco-irlandês descreveu como os aumentos de preços afetam diferentes setores econômicos de maneiras diferentes, dependendo de quando o dinheiro chega a cada setor.

Em um artigo de 2018 sobre o efeito Cantillon, a economista Jessica Schultz explicou que os primeiros da fila (por assim dizer) são os mais beneficiados por infusões repentinas de dinheiro.

“[Os] primeiros setores a receber o dinheiro recém-criado desfrutam de lucros maiores conforme seus salários aumentam, mas os custos em geral ainda são baixos”, escreveu Schultz, então graduanda em Economia e Estatística na Universidade Duke, agora pesquisadora pré-doutora do National Bureau of Economic Research (NBER). “Por outro lado, os últimos setores em que os preços aumentam (onde há mais atrito econômico) enfrentam custos mais altos, embora ainda produzam a preços mais baixos.”

No século 21, a velocidade com que isso acontece é surpreendente. Schulz ofereceu um exemplo hipotético de como o setor financeiro responde a enormes injeções de dinheiro.

Digamos que o Fed decida reduzir as taxas de juros (por meio de expansão da oferta de dinheiro na economia). Logo após o Fed fazer seu anúncio, investidores antecipam novos ganhos aumentando os investimentos. Na verdade, uma vez que mesmo só algumas pessoas fiquem sabendo das intenções do Fed, os investidores esperam que os preços subam, independentemente de confiarem em algoritmos ou rumores para obter suas informações. Os investidores migram para os mercados financeiros, querendo chegar lá primeiro; se puderem comprar ações enquanto os preços ainda estão baixos, poderão colher enormes lucros quando os preços subirem.

No entanto, o aumento repentino da demanda por ações no mercado financeiro eleva os preços dos ativos, e isso acontece rapidamente. Em minutos — até segundos — o aumento esperado no nível dos preços já foi considerado nos mercados financeiros. O primeiro lugar onde a “inflação” é sentida é no mercado financeiro.

Isso significa que as pessoas que estão mais investidas no mercado são as primeiras a se beneficiar da inflação.

Isso foi precisamente o que aconteceu em 2020. As pessoas com mais riqueza conseguiram engolir ações (e outros ativos), apostando em preços mais altos posteriormente (na forma de inflação). Não foi apenas especulação financeira, no entanto.

Inclinando o campo

Muitas empresas estavam em uma situação invejável no meio de uma recessão porque seus concorrentes se tornaram inviáveis devido às restrições pandêmicas. Por exemplo, com muitos pequenos varejistas em todo o país recebendo ordens para fechar por serem considerados “não essenciais”, a Target alcançou recordes de vendas: sua fatia no mercado (e o preço das ações) inchou. Em abril de 2020, as ações da Target estavam sendo negociadas a cerca de US$ 92,50; hoje, em julho de 2021, suas ações estavam sendo negociadas a cerca de US$ 245.

Com a chance de refinanciar casas com o dinheiro barato do Fed, investir em corporações que jogam em um campo inclinado, e trabalhar de casa, não é difícil ver por que os norte-americanos mais ricos se deram bem — e por que muitos deles ficaram felizes em repetir o clichê “fique em casa, fique seguro”.

Para os norte-americanos com poucos ativos e pouca riqueza, foi uma história muito diferente. Além de um parco cheque de estímulo e talvez alguns benefícios de desemprego se perderam o emprego, esses norte-americanos viram pouco na impressão de dinheiro sem precedentes além dos preços mais altos — que estão subindo com entusiasmo.

Para esses norte-americanos — e há muitos deles — a pandemia não foi uma cornucópia, mas mais um obstáculo na sua saga pelo sonho americano.

“Aqueles que ficaram de fora da criação de riqueza durante a pandemia estarão menos equipados para enfrentar a próxima grande pressão em suas finanças”, observa o Journal. “Em 2020, mais de um terço dos adultos disse que não seria capaz de arcar com uma despesa repentina de US$ 400 em dinheiro, de acordo com o Fed.”

Favorecendo os conectados

Os populistas econômicos muitas vezes pedem que o grande governo redistribua a riqueza dos ricos para os pobres para equilibrar o campo, especialmente durante tempos de crise econômica.

Mas o grande governo demonstrou uma tendência clara e ampla a fazer o oposto: recompensar aqueles com influência e poder às custas dos cidadãos comuns. Isso é claramente o que aconteceu em 2020.

“Quando o governo federal interveio com sua ‘assistência’ por meio da Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security (CARES) Act [Lei de Auxílio, Socorro e Segurança Econômica do Coronavírus], ele claramente favoreceu os grandes, ricos e bem conectados,” aponta a autora Carol Roth em seu novo livro The War on Small Business (“A guerra contra as pequenas empresas”, em uma tradução livre).


Enquanto os proprietários de pequenas empresas foram deixados pra “brigar” pelo limitado financiamento do Paycheck Protection Program [Programa de Proteção ao Salário], os legisladores em Washington, DC distribuíam favores a “amigos do governo”, observa Roth, ex-banqueira de investimentos. Esses “amigos” incluíram o Kennedy Center — que dispensou sua orquestra e equipe de funcionários depois de receber US$ 25 milhões em fundos sem “compromisso” — bem como faculdades com doações multibilionárias (algumas das quais ficaram envergonhadas ao devolver o dinheiro).

Os novos dados do Fed simplesmente confirmam a tese. Após uma das maiores expansões do governo da história, os norte-americanos mais abastados — aqueles com mais influência, riqueza e poder — têm mais riqueza do que nunca, apesar de uma recessão global. Enquanto isso, os mais pobres e vulneráveis ​​foram os que mais sofreram.

Naturalmente, alguns culparão o capitalismo por essa grosseira exacerbação da desigualdade. E ao fazer isso, eles não se darão conta da ironia disso tudo.

Não foi o livre mercado que permitiu que “os ricos ficassem mais ricos e os pobres ficassem mais pobres” durante uma crise econômica criada pelo Estado. Foi o privilégio do governo.

Autor: Jon Miltimore

Jonathan Miltimore é o editor-chefe da FEE.org. Seus escritos/reportagens tem sido tema de artigos na revista TIME, The Wall Street Journal, CNN, Forbes, Fox News e Star Tribune.

Ele assina textos nos seguintes meios de comunicação: Newsweek, The Washington Times, MSN.com, The Washington Examiner, The Daily Caller, The Federalist, Epoch Times.

Tradutor: Cabeça Livre

Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Jon Miltimore em 01 de julho de 2021 para a Foundation for Economic Education (FEE, “Fundação para Educação Econômica”).

O texto original, em inglês, publicado sob a licença CC BY 4.0, pode ser conferido em:

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