Nas semanas após os ataques de 11 de setembro de 2001, muitos milhares de norte-americanos pegaram as estradas e rodovias em vez de voar. Alguns optaram por dirigir porque suas férias ou viagens aéreas a negócios foram canceladas; outros porque estavam compreensivelmente com medo que mais atentados pudessem acontecer na sequência.
Alguns anos depois, um grupo de economistas da Universidade Cornell determinou que, após os ataques terroristas,
nos últimos três meses daquele ano [de 2001], o medo de voar acelerou o uso do carro e causou um segundo aumento de mortes nas estradas dos Estados Unidos. Além disso, a inconveniência de uma maior segurança nos aeroportos após o 11 de setembro pode ter encorajado ainda mais a substituição das viagens aéreas pelas rodoviárias.
É trágico, mas não surpreendente: geralmente seria de se esperar que, com um aumento repentino no número de veículos na estrada, fosse observado um aumento proporcional nos acidentes. E, de fato, isso foi o que os pesquisadores descobriram mesmo depois de levar em consideração “tendências de tempo, clima, condições das estradas e outros fatores”. O número adicional de mortos nas rodovias como efeito secundário dos ataques terroristas chegou a mais de 2.000, com muitos feridos não fatais também.
Mas, conforme relatado inicialmente no início de 2021, e atualmente solidificado com dados adicionais, o oposto também é verdade. Apesar de as pessoas terem dirigido muito menos devido aos lockdowns — ficando em casa por medo, ou simplesmente porque havia menos lugares para ir e menos coisas para fazer — o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos estima que mais de 42.000 norte-americanos morreram em acidentes de automóveis em 2020.
Isso é 8% a mais do que no ano anterior. É também o maior número de mortes desde 2007, e o primeiro aumento em 4 anos. Pior ainda, a taxa de fatalidades por 100 milhões de milhas percorridas (uma medida normalizada) em 2020 saltou 24% em relação ao ano anterior, o que equivale ao maior aumento anual desde que as estatísticas começaram a ser acompanhadas em 1924.
Escavando…
Eu mesmo me lembro de ver veículos “voando” nas rodovias na primavera passada, ultrapassando outros motoristas pelo acostamento tanto da direita quanto da esquerda e dirigindo pelo canteiro do meio. Uma amiga me contou que uma tarde ela foi ultrapassada pela direita por uma motociclista empinando a muito mais que 80 milhas por hora [aproximadamente 120 quilômetros por hora]. Ao longo do primeiro semestre de 2020, Facebook, Twitter e outras redes sociais pareciam evidenciar um burburinho consistente sobre o surgimento de condições de direção do tipo Mad Max nas estradas e rodovias norte-americanas.
Mas primeiro: seriam essas anedotas isoladas? Não parece. Considere esse artigo de junho de 2020 da Fast Company, que apresentou dados conclusivos coletados de 23 milhões de motoristas anônimos:
A boa notícia é que ainda há menos pessoas nas estradas do que em janeiro, portanto, há menos acidentes no geral. Mas as pessoas estão dirigindo mais rápido do que antes da Covid-19. Na verdade, as pessoas estão dirigindo a mais de 100 milhas por hora [160 quilômetros por hora] com 20% mais frequência do que antes da Covid-19. E os acidentes, quando acontecem, estão acontecendo em velocidades mais rápidas — um total de 50% mais rápido do que o normal.
(Embora informativo, o título do artigo é um clássico dos especialistas da era Covid: “Não é só você. A pandemia tornou os motoristas mais imprudentes.” Não existe ligação fisiológica, ceteris paribus, entre a infecção e uma maior propensão a se pôr em perigo. Por outro lado, a ligação entre lockdowns e ordens para ficar em casa, e fechamentos de negócios e outros danos colaterais, está documentada e crescendo.)
Dados de cada estado confirmam isso. Mesmo com uma queda abrupta no total de motoristas, soldados do estado de Minnesota emitiram duas vezes o número de multas por excesso de velocidade para velocidades superiores a 100 mph [160 km/h] em 2020 do que em 2019. Em Tucson, AZ, até julho de 2020, acidentes fatais envolvendo automóveis tinham mais que triplicado, principalmente entre março e maio, quando as ordens para ficar em casa foram inicialmente impostas. Em cerca de dois meses após a Califórnia ordenar lockdowns, os acidentes menores diminuíram pouco menos de 30%, mas os ferimentos graves e fatais aumentaram 15%.
A Inrix, uma empresa de análise de dados de direção, indica que nas áreas urbanas as velocidades médias aumentaram 35% no ano passado.
Portanto, os dados, nacionais e locais, estão bem próximos e alinhados com os relatórios não oficiais. Então, por que os acidentes aumentaram quando os motoristas em massa deixaram as estradas?
Uma hipótese inicial era que o salto nos acidentes de trânsito e mortes ocorreu à medida que as intervenções não farmacêuticas estavam sendo desaceleradas. Em outras palavras, tendo perdido toda a primavera e o início do verão, no final do verão e no início do outono de 2020, os norte-americanos voltaram às estradas cheios de habilidade e autoconfiança e, consequentemente, imprudência. Mas isso também é desmentido pelos dados do Conselho de Segurança Nacional, que mostram que em abril de 2020, quando as políticas estadual e federal de combate à pandemia estavam ambas em seus níveis mais rígidos e em seus maiores alcances, o número total de quilômetros percorridos por motoristas nas rodovias dos EUA caiu em colossais 40%, mas ainda assim, ocorreu um aumento de 36% nas fatalidades por quilômetro.
Outra hipótese é que as pessoas dispostas a deixar suas casas durante uma pandemia provavelmente já são tomadoras de risco de qualquer maneira e, portanto, é só o esperado que criem condições inseguras nas estradas. Mas, embora possa haver um pouco de verdade nisso, essa explicação revela-se, na maior parte, falaciosa. Possíveis razões para uma pessoa sair de casa durante uma pandemia são inúmeras, independentemente de quarentenas/lockdowns serem impostos, recomendados ou inexistentes.
O fato de que a polícia estava relutante em parar todos, e por isso parou apenas os corredores mais flagrantes durante a primavera de 2020 (“Não pare ninguém a menos que seja necessário”), é um fator que também influencia as estatísticas.
Dirigir como forma de aliviar a pressão
Em lugares onde as respostas à pandemia foram ainda mais rigorosas, análises do instinto de assumir o volante foram proporcionalmente incisivas. Na Austrália, que tem sido um autêntico exemplo de reação exagerada à Covid-19 (até hoje), o pacote inicial de intervenções não farmacêuticas incluiu a proibição de “direções não essenciais”. Como opinou um editorial australiano,
Talvez você tenha ouvido falar que a polícia em toda a Austrália está começando a reprimir pessoas que ‘descaradamente saem de carro para dar uma volta’.
Eles estão distribuindo multas absurdas que variam entre 1.300 e 1.600 dólares [algo entre 6.700 e 8.300 reais na cotação atual, na época do editorial seria um pouco mais caro] dependendo do estado, tudo porque um motorista estava no seu carro e dirigindo sem um destino válido.
Coloquemos isso em perspectiva por um segundo. Neste exato momento, em nosso país, se você sair de carro sem um destino considerado essencial, a polícia tem autoridade para multar você com uma quantia obscena de dinheiro.
Isso mesmo que você nunca saia do seu carro, o que significa que as chances de ser exposto a outro ser humano ou ao coronavírus são infinitesimalmente pequenas.
Acrescentando uma dimensão extra a porque isso é completamente absurdo, considere que você pode sair pra fazer exercícios pra manter seu estado físico com outra pessoa.
Essa pessoa pode ser um treinador, pode ser seu cônjuge, pode ser uma pessoa aleatória. De qualquer forma, não é um problema.
Mas você não pode sair pra dar uma volta de carro — ainda que sozinho.
Crédito da imagem: Flickr — Pedro França/Agência Senado (CC BY-NC 2.0)
O escritor continuou:
Em uma época em que cafeterias, clubes, bares e essencialmente todos os locais sociais e passeios estão proibidos […] essas voltas de carro são absolutamente essenciais para nossa saúde mental.
Dirigir, pra qualquer lugar que seja, é antes de tudo um ato individual de transporte. Na vida e na arte, representa liberdade, escolha ou fuga. Décadas após a supremacia da produção automotiva dos Estados Unidos, com vidas mais complicadas e distrações mais sofisticadas, dirigir ao volante por qualquer período de tempo continua sendo um ato de independência pessoal.
Dirigir sem destino é para muitos uma experiência libertadora. Sim, é francamente estúpido dirigir a 100 MPH [160 km/h], ziguezaguear na estrada e colocar a si mesmo e aos outros em risco. Mas a expectativa de que seres humanos ficariam em casa ociosos, desempregados, em alguns casos sozinhos, completamente satisfeitos com as opções atuais de streaming de vídeo ou jogos de tabuleiro empoeirados dos anos 70, é o tipo de loucura que apenas um burocrata sustentado por impostos poderia conjurar.
Políticas tendem a ser o caminho mais rápido, mais direto para um resultado. A vida humana – e em particular a vida moderna, da qual dirigir é um componente importante – é sobre a jornada. Que indivíduos que podem estar se aproximando do fim de seu juízo voltariam à estrada para capturar uma pequeno pedaço da normalidade pré-pandêmica não é surpreendente. Também previsível é que alguns, imprudentemente, tirariam proveito de menos congestionamento.
E caso isso pareça uma tomada sentimental, sem implicações econômicas: o custo de acidentes fatais e graves em 2020, cuja cascata ocorreu durante os lockdowns, é estimado em US$ 474 bilhões. E com quase 5 milhões de feridos decorrentes desses acidentes, há custos adicionais, invisíveis: meios de subsistência inexoravelmente alterados devido à perda de transporte e ferimentos graves. Custos de seguro mais altos. E todos esses custos colidem com custos mais altos pra consertar automóveis, que por sua vez são causados por cadeias de suprimentos que lutam desesperadamente para recuperar suas capacidades pré-pandêmicas.
Mais trânsito na estrada: mais acidentes. Menos trânsito na estrada: mais acidentes. As circunstâncias em cada caso são diferentes, claro, mas justificam a alegação de que tudo ao nosso redor, cada faceta de nossas existências interligadas, interativas, está fragilmente equilibrada. Perturbações, grandes ou pequenas, derivadas de imposições naturais ou feitas pelo homem, podem e vão levar a uma convulsão. O tecido social é amplo, mas chocantemente fino, e há custos humanos e econômicos inevitáveis para desarranjá-lo.
Nota do Cabeça Livre:
Esse é mais um exemplo de que nenhuma política consegue salvar vidas, apenas trocar vidas. Nesse texto, vimos que políticos ao decidirem proibir passeios de carro, com a intenção (dizem) de prevenir mortes pelo coronavírus, causaram, como dano colateral não intencional, aumento nas mortes por acidentes de trânsito. Não há problema da humanidade que possa ser facil e rapidamente resolvido por uma canetada.
E, de fato, nesses tempos difíceis com lockdowns, que a ciência já mostrou que não resolvem problema de saúde algum, mas políticos insistem neles, temos que cuidar da nossa saúde mental: o número de suicídios tem aumentado, principalmente entre adolescentes, os menos afetados pela Covid, mas mais afetados por essas medidas antiéticas de lockdown.
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Autor: Peter C. Earle
Peter C. Earle é um economista e escritor que ingressou no AIER em 2018. Antes disso, passou mais de 20 anos como corretor e analista em uma série de corretoras de valores e fundos de hedge na área metropolitana de Nova York, além de administrar uma consultoria em jogos e criptomoedas.
Sua pesquisa se concentra em mercados financeiros, criptomoedas, questões relacionadas à política monetária, economia dos jogos e problemas de medição econômica. Ele já foi citado pelo Wall Street Journal, Bloomberg, Reuters, CNBC, Grant’s Interest Rate Observer, NPR e vários outros meios de comunicação e publicações.
Pete possui mestrado em Economia Aplicada pela American University, MBA em Finanças e bacharelado em Engenharia pela Academia Militar dos Estados Unidos em West Point.
Tradutor: Cabeça Livre
Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Peter C. Earle em 5 de julho de 2021 para o American Institute for Economic Research (AIER, “Instituto Norte-americano de Pesquisa Econômica”).
O texto original, em inglês, publicado sob a licença CC BY 4.0, pode ser conferido em: