Cabeça Livre

"Externalidade" não é desculpa para vacinação obrigatória

Não sou, e nunca fui, um antivacina. Quando meu único filho, Thomas, era jovem, nem sua mãe nem eu hesitamos em que ele recebesse toda a gama de vacinas infantis – assim como meus próprios pais não hesitaram em que eu, na década de 1960, recebesse toda a gama de vacinas disponíveis naquela época para crianças. E quando as vacinas contra Covid-19 foram disponibilizadas há alguns meses, recebi a dosagem completa. (Moderna, caso você esteja se perguntando.)

Mas eu sou, e sempre fui, um antiautoritário. E, sendo assim, me oponho aos esforços do governo para impor a vacinação ou punir as pessoas que não se vacinaram. Nesse nosso mundo real, o estado não tem por que impor penalidades a quem opte por não injetar ou ingerir certos medicamentos. Tal intrusão nos assuntos privados dos indivíduos é antiética e inconsistente com os princípios de uma sociedade livre. Todo pai deve ter o direito de recusar a vacinação dos seus filhos. Todo adulto deve ter o direito de recusar a vacinação para si mesmo. Nenhuma explicação para tal recusa deveria ser exigida além de um simples “Não”.

Mas e a externalidade?

A réplica mais comum para aqueles de nós que se opõem à punição estatal a pessoas que recusam vacinas é alegar que as pessoas não vacinadas colocam em risco a saúde, e até mesmo a vida, de terceiros inocentes. Leia, por exemplo, Leana Wen, a colunista do Washington Post cuja forte obsessão pela vacinação obrigatória é acompanhada por sua fraca capacidade de colocar os dados em perspectiva adequada. No economês, a acusação é de externalidade – ou, como Justin Wolfers, economista da Universidade de Michigan, exclamou recentemente em resposta a alguém que se opõe ao que parece um movimento em direção à vacinação obrigatória, “por causa das externalidades”. Alega-se que um indivíduo não vacinado injustamente espalha patógenos perigosos para outras pessoas sempre que esse indivíduo está em público.

Mas gritar “externalidade!” não é o trunfo que muitos economistas (e não economistas) ingenuamente supõem que seja. Em um mundo em que nem todo ser humano vive uma existência isolada – isto é, nosso mundo – cada um de nós incessantemente age de maneiras que afetam estranhos, sem com isso justificar restrições impostas pelo governo à grande maioria dessas ações. Portanto, justificar a obstrução governamental dos afazeres comuns da vida requer muito mais do que a identificação da perspectiva de algum impacto interpessoal. (veja a breve resposta de David Henderson a Wolfers)

A justificativa para a vacinação obrigatória também requer mais do que uma imaginação fértil. Alunos inteligentes da sétima série podem descrever situações hipotéticas em que toda pessoa razoável pode concordar que a vacinação forçada é justificada. (“Tipo, imagine um vírus tão super-contagioso e letal que irá, com 100% de certeza, literalmente matar todos os seres humanos no país se mesmo uma única pessoa no país permanecer não vacinada!!!”) Para ser relevante, a defesa da vacinação obrigatória deve ser feita com respeito à realidade como a conhecemos. Além disso, em uma sociedade livre, o ônus da prova recai não sobre os oponentes da vacinação obrigatória, mas sobre aqueles que afirmam que a externalidade é real e grave o suficiente para justificar a obrigatoriedade da vacinação.

Que a escolha de não se vacinar contra a Covid cria alguns riscos para estranhos é indiscutível. No entanto, esse fato sobre essa escolha não a distingue de muitas outras escolhas com consequências semelhantes, quase todas dessas escolhas, novamente, não justificam intervenção do governo – um fato que se mantém verdadeiro mesmo se limitarmos nossa atenção apenas a ações que colocam em maior risco a saúde física de outras pessoas.

A escolha de dirigir até o supermercado cria riscos para a saúde de pedestres e outros motoristas. A escolha de não ser testado para gripe comum e depois levar a vida normalmente cria riscos para a saúde de outras pessoas. A escolha de mergulhar em uma piscina comunitária cria riscos para a saúde de outras pessoas. A escolha de usar um banheiro público cria riscos para a saúde de outras pessoas. Em cada uma dessas situações, acredita-se que os benefícios de permitir que os indivíduos façam essas escolhas livremente sejam maiores do que os benefícios que surgiriam da imposição de novas restrições a tais escolhas.

E quanto à Covid e às vacinas?

Então, existe algo especial na Covid-19 que justifica a incomum medida autoritária de tornar a vacinação obrigatória? Não.

Em primeiro lugar, existe esta importante e relevante realidade que merece repetição, dada a crença bizarra, mas ainda assim amplamente difundida, de que esta realidade não é importante nem relevante: a Covid reserva seus perigos esmagadoramente para os idosos e os doentes – isto é, para um grupo facilmente auto-identificado de membros que podem tomar medidas para se protegerem eles mesmos da exposição ao vírus sem exigir que a vasta maioria da humanidade, muitos poucos dos quais possuem risco real para a Covid, suspenda e cancele suas vidas.

Em segundo lugar – e mesmo à parte do primeiro ponto – o fato de que as vacinas são bastante eficazes em proteger as pessoas vacinadas de contrair e sofrer de Covid deveria ser suficiente para sepultar de vez a defesa da vacinação obrigatória.

No entanto, os defensores da vacinação obrigatória têm uma réplica. Eles acreditam que seu caso é feito estabelecendo-se dois fatos. O primeiro desses fatos é que a vacinação não apenas protege os indivíduos vacinados da Covid, mas também reduz a possibilidade de pessoas vacinadas espalharem a Covid para outras pessoas. O segundo fato é que nem todos estão ou podem ser vacinados. Esses dois fatos são então transformados em um trampolim do qual os defensores da vacinação obrigatória chegam à conclusão de que, portanto, o estado deve exigir a vacinação de todos os que medicamente estão aptos a serem vacinados.

Mas esse salto é ilógico, porque ignora várias questões pertinentes. E as pessoas que carregam o ônus da prova não estão em posição de ignorar questões pertinentes.

Entre as questões pertinentes ignoradas – e, portanto, não respondidas – estão as seguintes:

  1. Em quanto a vacinação reduz a chance de uma pessoa transmitir o coronavírus? Essa redução compensa todos os custos da vacinação obrigatória?

  2. Quantas pessoas têm problemas de saúde que as impedem de serem vacinadas contra a Covid? E que parte dessas pessoas está em grupos cujos membros correm riscos especialmente elevados para a Covid?

  3. O que sequer significa “ter um problema de saúde que impede alguém de ser vacinado contra a Covid”? Isso significa que tais pessoas, se vacinadas, teriam 100% de chance de morrer por causa da vacinação? Certamente não. Mas se não, a que níveis de risco específicos a vacinação da Covid sujeitaria essas pessoas? E esses riscos são altos o suficiente para fazer parte de uma defesa confiável da vacinação obrigatória?

  1. Qual é o custo para o grupo “incapaz-de-ser-vacinado” de se proteger da Covid de outra forma, em comparação com o custo de obrigar que todos os outros sejam vacinados?

  2. A própria existência de um grupo de pessoas para as quais tomar as vacinas da Covid é muito arriscado implica que as vacinas da Covid não são isentas de risco para todos. (Mesmo à parte do risco inerente, se suficientemente pequeno, “natural” e aleatório representado por qualquer tratamento médico, cada um de nós tem alguma chance positiva de, sem saber, ser afetado por uma ou mais das condições que são reconhecidas como condições que tornam a vacinação contra a Covid muito arriscada.) Por que, então, todos – exceto os indivíduos do grupo formalmente isento – deveriam ser vacinados e, portanto, serem obrigados a se submeter a algum risco positivo de serem fisicamente prejudicados pela vacina?

  3. Se, como os defensores da vacinação obrigatória implicam, qualquer ação que represente um risco para a saúde de estranhos é uma ação que o governo deve tratar como uma “externalidade” e prevenir à força, por que o governo não deveria tratar todas as expressões de argumentos a favor da vacinação obrigatória como externalidades a serem proibidas à força? Como a vacinação em si não é isenta de riscos, forçar as pessoas a serem vacinadas é submeter à força algumas pessoas a um risco que elas prefeririam evitar. Além disso, defender publicamente a vacinação obrigatória aumenta o risco de que uma política de vacinação obrigatória seja implementada – o que significa que defender publicamente a vacinação obrigatória (de acordo com a lógica dos próprios defensores da vacinação obrigatória) expõe outros inocentes a um risco que é dever do governo prevenir.

Conclusão

Claro, se houvesse esforços para silenciar o discurso dos defensores da vacinação obrigatória, eu me oporia a eles com a mesma energia e sinceridade que alimenta minha atual oposição aos esforços dos defensores da vacinação obrigatória para impor à humanidade sua medida autoritária. Mas o fato de que a lógica dos defensores da vacinação obrigatória pode facilmente ser usada contra eles mesmos, ou seja, para argumentar a favor de retirar-lhes à força sua liberdade de defender pacificamente a vacinação obrigatória, revela o quão frágil é o argumento a favor da vacinação obrigatória.

Esse caso, repetindo, não pode ser encerrado em resumo com a mera entonação da palavra “externalidade”. As perguntas acima mencionadas (e talvez algumas outras) sobre os fatos devem ser respondidas. E em uma sociedade liberal e aberta, o ônus de responder a essas questões de forma a defender qualquer imposição governamental recai sobre os proponentes da imposição e não sobre os defensores da liberdade.

Autor: Donald J. Boudreaux

Donald J. Boudreaux é membro sênior do American Institute for Economic Research (AIER, “Instituto Norte-americano de Pesquisa Econômica”) e do Programa FA Hayek para Estudos Avançados em Filosofia, Política e Economia no Mercatus Center da Universidade George Mason; membro do conselho do Mercatus Center; e professor de Economia e ex-chefe do departamento de economia da Universidade George Mason. Ele é o autor dos livros The Essential Hayek, Globalization, Hypocrites and Half-Wits, e seus artigos aparecem em publicações como o Wall Street Journal, New York Times, US News & World Report, bem como vários periódicos acadêmicos. Ele escreve um blog chamado Cafe Hayek e uma coluna regular sobre economia para o Pittsburgh Tribune-Review. Boudreaux obteve um PhD em Economia pela Universidade de Auburn e um diploma de Direito pela Universidade da Virginia.

Tradutor: Cabeça Livre

Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Donald J. Boudreaux em 13 de julho de 2021 para o AIER.

O texto original, em inglês, publicado sob a licença CC BY 4.0, pode ser conferido em:

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