Cabeça Livre

A hipocrisia dos políticos na pandemia de Covid-19

“Fique em casa” pra você. Pra eles, não. Confira uma lista (não exaustiva) de políticos que foram flagrados ignorando as regras que eles mesmos impuseram à população.

Os anos de 2020 e 2021 foram marcados pela pandemia de Covid-19. Tivemos a tristeza das pessoas que morreram com Covid. Tivemos também a tristeza das pessoas que perderam seus empregos, ou que viram seus negócios irem à falência. Tivemos ainda a tristeza das pessoas que perderam ambos: parentes e empregos.

Como se isso não bastasse, pudemos ver políticos praticando atitudes que não condiziam com as regras que eles mesmos impuseram à população. Regras que, segundo eles mesmos, tinham o objetivo de tentar frear a pandemia. Não tem palavra melhor para descrever isso do que hipocrisia.

Hipocrisia, segundo a Wikipedia, é “o ato de fingir ter crenças, virtudes, ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não possui, frequentemente exigindo que os outros se comportem dentro de certos parâmetros de conduta moral que a própria pessoa extrapola ou deixa de adotar”. (ênfase minha)

A seguir, confira uma lista de episódios em que políticos (hipócritas) foram flagrados fazendo coisas que, de acordo com as regras que eles mesmos impuseram à população, não deveriam estar fazendo.

Mandetta (DEM), ex-ministro da Saúde

Luiz Henrique Mandetta (do partido Democratas, DEM), médico de formação, era ministro da Saúde quando, em 2020, foi declarada a pandemia de coronavírus no Brasil. Seu nome aparece na assinatura da Lei nº 13.979 de fevereiro de 2020, que definiu o estado de emergência de saúde pública e quais medidas poderiam ser adotadas no território brasileiro para enfrentá-lo.

Mandetta ganhou notoriedade à frente do Ministério da Saúde durante a pandemia. Era a favor do “fique em casa” e do uso de máscaras. Com frequência, tinha opiniões divergentes das do presidente sobre como a pandemia deveria ser enfrentada, o que levou à sua demissão do Ministério da Saúde em abril de 2020.

Em uma época em que “aglomerações” eram proibidas e era obrigatório usar máscara em todos os ambientes, abertos e fechados, Mandetta se despediu do Ministério com uma confraternização (ou “aglomeração”, para usar a palavra da moda) com seus ex-subordinados, todos sem máscara, se abraçando, aplaudindo, rindo e cantando:

Meses depois, em novembro de 2020, enquanto o uso de máscara ainda era obrigatório em todo o Brasil, Mandetta foi fotografado jogando sinuca sem máscara em um bar. Questionado pela CNN, ele confirmou o episódio e explicou que estava “colocando a conversa em dia” com o filho. “Como estávamos comendo, estava sem máscara. Nada além”.

Mandetta também foi fotografado sem máscara em uma praia em janeiro de 2021. Em depoimento à CPI da Covid, Mandetta confirmou o episódio e explicou: “Voltando de uma visita que faço anualmente em Aparecida, desci pelo litoral e parei ali para ver uma praia, parei durante duas horas e fui embora”.

Ainda segundo ele, todos os episódios em que foi flagrado sem máscara “aconteceram nas regras estabelecidas para aquele momento”.

João Doria (PSDB), governador de São Paulo

João Doria (PSDB), formado em jornalismo e publicidade, era governador do estado de São Paulo quando, em fevereiro de 2020, foi confirmado o primeiro caso de coronavírus do estado e do Brasil. Com aparições frequentes em reportagens da grande mídia, Doria chegou a ganhar capa da revista IstoÉ, que atribui a ele o início da vacinação no Brasil. Até o momento da escrita, Doria ainda é governador do estado de São Paulo, mas não está entre os governadores que buscam reeleição neste ano, tendo sido escolhido pré-candidato a presidente pelo PSDB.

Em 23 de dezembro de 2020, Doria viajou com a família para Miami para passar o Natal e réveillon. Isso após ter decretado no dia anterior o nível mais restritivo de lockdown para todo o estado de São Paulo para esse mesmo período, proibindo a abertura de serviços “não essenciais”. O estado para onde ele viajou, a Flórida, embora fosse um dos estados com mais casos nos Estados Unidos, não estava fazendo lockdown nem impondo restrições de qualquer tipo.

No mesmo dia 23, ele foi flagrado sentado sem máscara em uma loja (local fechado) em Miami onde se vê outras pessoas com máscara:

Após grande repercussão nas redes sociais, o governador decidiu cancelar a viagem e retornar. Alegou que o motivo seria o diagnóstico positivo para Covid-19 do vice-governador Rodrigo Garcia (DEM). Em vídeo, disse: “Desculpas àqueles que imaginaram que eu estivesse aqui deixando a cidade, o estado de São Paulo, depois de medidas restritivas para desfrutar de uma vida confortável, com menos restrições, em Miami. Não houve essa intenção. Não houve esse gesto de pouca responsabilidade da minha parte.”

Em junho de 2021, João Doria foi flagrado mais uma vez sem máscara, dessa vez tomando sol na piscina de um hotel em meio a (ou “aglomerando” com) turistas, no Rio de Janeiro:

Na época, máscaras eram obrigatórias, tanto em São Paulo quanto no Rio.

Poucos dias antes, em entrevista à imprensa, Doria havia pedido para paulistas não fazerem “aglomerações desnecessárias”.

Em nota, o Governo de São Paulo explicou que “o governador João Doria estava neste domingo no hotel Fairmont, no Rio de Janeiro, em momento de descanso com a esposa e não promoveu nenhum tipo de aglomeração”.

Bruno Covas (PSDB), ex-prefeito de São Paulo (SP)

Bruno Covas (PSDB) foi eleito em 2016 vice-prefeito, junto com João Doria prefeito, da cidade de São Paulo (SP). Com a renúncia de Doria para concorrer às eleições para governador, Covas passou a ser o prefeito de São Paulo em abril de 2018. Foi reeleito nas eleições de 2020 e governou a maior cidade do Brasil até 16 de maio de 2021, quando faleceu em decorrência de um câncer que o acometeu. Sua política de enfrentamento à pandemia ficou marcada pelas lojas que descumpriram o decreto que ordenava seu fechamento e tiveram suas portas soldadas.

Bruno Covas tirou licença da prefeitura em 18 de janeiro de 2021 para dar continuidade ao tratamento do seu câncer. Contudo, no dia 30 de janeiro foi pessoalmente ao estádio do Maracanã assistir a final da Copa Libertadores entre Palmeiras e Santos. O evento foi fechado ao público, não houve venda de ingressos, apenas convidados puderam entrar, dentre eles o prefeito e seu filho. E todos sentaram-se todos juntos no mesmo setor. No dia anterior, a prefeitura de São Paulo havia anunciado o cancelamento do Carnaval com a justificativa de conter a pandemia.

Covas foi muito criticado nas redes sociais. Em nota, respondeu:

Depois de 24 sessões de radioterapia meus médicos me recomendaram 10 dias de licença para recuperar as energias. Isso foi até a última quinta (28/01). Resolvi tirar mais 3 dias de licença não remunerada para aproveitar uns dias com meu filho. Fomos ver a final da Libertadores da América no Maracanã, um sonho nosso. Respeitamos todas as normas de segurança determinadas pelas autoridades sanitárias do RJ. Mas a lacração da Internet resolveu pegar pesado. Depois de tantas incertezas sobre a vida, a felicidade de levar o filho ao estádio tomou uma proporção diferente para mim. Ir ao jogo é direito meu. É usufruir de um pequeno prazer da vida. Mas a hipocrisia generalizada que virou nossa sociedade resolveu me julgar como se eu tivesse feito algo ilegal. Todos dentro do estádio poderiam estar lá. Menos eu. Quando decidi ir ao jogo tinha ciência que sofreria críticas. Mas se esse é o preço a pagar para passar algumas horas inesquecíveis com meu filho, pago com a consciência tranquila.

Gean Loureiro (DEM), prefeito de Florianópolis (SC)

Gean Loureiro (DEM), que já era prefeito de Florianópolis (SC) em março de 2020, quando os dois primeiros casos de coronavírus da capital catarinense foram confirmados, foi reeleito no primeiro turno nas eleições de 2020, apesar da denúncia de que ele havia praticado sexo na prefeitura com uma servidora pública. Defensor do “fique em casa”, Gean se tornou conhecido em todo o Brasil por um vídeo que a prefeitura publicou nas redes sociais no início do isolamento social na cidade.

Em fevereiro de 2021, enquanto a prefeitura de Florianópolis se preparava para novas restrições, descobriu-se que o prefeito Gean Loureiro estava de férias em Cancun, no México, país que havia liberado as fronteiras depois de apenas três meses de quarentena pouco rigorosa. Cancun estava recebendo turistas sem grandes transtornos e havia se tornado o destino mais procurado por brasileiros viajando para o exterior. O hotel de luxo onde estava o prefeito foi reconhecido em um vídeo de 25 de fevereiro, onde ele anunciava a vacinação para idosos de 85 a 89 anos.

Diante da repercussão negativa na mídia e nas redes sociais, Gean cancelou suas férias e antecipou seu retorno do México. Em nota nas redes sociais, se desculpou:

Depois de um ano tão difícil para todos, senti que precisava muito parar, mesmo que por poucos dias, e lembrar que, como todos seres humanos, temos limites. Infelizmente, a situação no nosso estado se agravou numa velocidade inimaginável, fato que exigia minha presença com urgência. […] Já no início da semana passada, tomei a decisão de retornar imediatamente. Mas, para isso, tive que aguardar o resultado do teste PCR obrigatório de Covid, sem o qual não seria autorizado a retornar de viagem. Também tive dificuldades para reagendar meu voo. […] Quem me acompanha sabe que sempre estive e estarei na linha de frente em todos os momentos críticos da nossa cidade, sem jamais me omitir. Mesmo assim, recebo com humildade as merecidas críticas por esse episódio, as quais procurarei recompensar com total dedicação e muito trabalho.

Duarte Nogueira (PSDB), prefeito de Ribeirão Preto (SP)

Em maio de 2021, em um final de semana em que até supermercados não podiam abrir em Ribeirão Preto (SP), o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) foi visto ao lado de uma mulher em um resort na região de Araraquara (SP). Um vídeo viralizou nas redes sociais e causou indignação entre os moradores. Em coletiva de imprensa feita na segunda-feira seguinte, Nogueira pediu desculpas, disse que as reservas para a viagem estavam feitas há mais de mês, e que “calhou que o dia coincidisse com a mudança da fase restritiva emergencial de Ribeirão Preto”.

Francisco Antônio Paiva (PL), prefeito de Miguel Alves (PI)

O prefeito de Miguel Alves (PI), Francisco Antônio Paiva, o “Veim da Fetraf” (PL), foi flagrado dançando forró com a primeira-dama em uma festa, uma “aglomeração” em que ninguém usava máscara, inclusive o próprio prefeito, em agosto de 2021. Procurado, o gestor disse que anda sempre de máscara, mas que “tem hora que a gente se descuida”. Afirmou ainda que o protocolo de segurança sanitária da cidade permitia eventos até meia-noite e que ele participava de todos os eventos da comunidade.

Conclusão

Em 2008, Rahm Emanuel, político norte-americano que viria a ser chefe de gabinete da Casa Branca na administração Obama, observou: “Você nunca quer que uma crise séria seja desperdiçada.” Crises oferecem “uma oportunidade de fazer coisas que você acha que não poderia fazer antes”. Governos aproveitam crises para aumentar seu poder sobre a população.

Os últimos anos foram marcados pelas medidas restritivas que governos adotaram com a justificativa de combater a pandemia, conhecidas em conjunto como lockdowns. Classificaram negócios como “essenciais” ou “não essenciais”, impuseram dezenas de regras aleatórias aos primeiros e mandaram fechar os segundos. Os políticos, embriagados com esse enorme poder que receberam durante a pandemia, iriam inevitavelmente abusar dessa autoridade selvagem.

Hipocrisia e corrupção são características, e não falhas, da classe dominante.

O psicólogo Jordan Peterson, em seu livro 12 Regras para a Vida, afirma que “quando alguém alega estar agindo movido pelos princípios mais elevados, pelo bem dos outros, não há razões para presumir que os motivos daquela pessoa sejam genuínos. Pessoas motivadas a tornar as coisas melhores normalmente não estão preocupadas em mudar outras pessoas — ou, se estão, assumem a responsabilidade de fazer as mesmas mudanças em si (e primeiro).” (ênfase minha)

Passados quase dois anos dos primeiros lockdowns, olhando em retrospectiva, a curva não parece achatada e os números de casos e mortes não parecem baixos. Hoje, não só temos artigos científicos que questionam se essas medidas realmente salvaram vidas, como também observar que os políticos que as impuseram não as seguem eles mesmos nos faz questionar a própria necessidade dessas medidas.

Além de ineficazes em combater a Covid, os lockdowns geraram efeitos colaterais na saúde (como aumento de suicídios) e na economia: grandes empresas conseguiram atravessar esse momento de turbulência, mas pequenas empresas faliram. E a desigualdade aumentou: o rico ficou mais rico, e o pobre ficou mais pobre. Isso só para citar alguns exemplos.

O comportamento flagrante de “regras para você, mas não para mim” dos nossos políticos durante a pandemia até o momento é mais uma confirmação de que a desigualdade e a aplicação seletiva de leis são inerentes a grandes governos. Tais exemplos de hipocrisia são golpes nos argumentos daqueles que pensam que um grande governo benevolente nos erguerá em vez de nos oprimir.

Se você acha que esse é um problema exclusivo do Brasil, saiba que não é. A FEE (Fundação para Educação Econômica) listou 12 políticos norte-americanos que também violaram suas próprias regras contra a Covid.

Você acrescentaria algum político a essa lista? Relate o episódio nos comentários, de preferência acrescentando algum link para alguma notícia com imagens e mais informações.

Autor: Daniel Peterson

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