Cabeça Livre

Lockdowns reduziram expectativa de vida nos EUA em 2020. No Brasil também, apesar do estudo enviesado.

Nos EUA, a expectativa de vida viu em 2020 a maior queda desde a Segunda Guerra Mundial – e não apenas devido à Covid, que foi a 3ª causa de morte em 2020.

Acabamos de receber algumas notícias ruins, embora não muito surpreendentes. Dados recentemente divulgados pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) norte-americano mostram que a expectativa de vida caiu significativamente em 2020. E não, não apenas por causa da Covid-19. A mudança é mais sísmica do que o que pode ser explicado apenas pela pandemia.

Expectativa de vida ao nascer nos Estados Unidos, por sexo (de cima para baixo: feminino, total e masculino), de 2000 a 2020. Fonte: [CDC](https://www.cdc.gov/nchs/data/vsrr/VSRR015-508.pdf).

Expectativa de vida ao nascer nos Estados Unidos, por sexo (de cima para baixo: feminino, total e masculino), de 2000 a 2020. Fonte: CDC.

“A expectativa de vida nos EUA caiu 1,5 ano em 2020, o maior declínio desde, pelo menos, a Segunda Guerra Mundial”, reporta o The Wall Street Journal. “Dados provisórios divulgados na quarta-feira [21 de julho] pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças mostraram que a expectativa de vida dos norte-americanos caiu para 77,3 anos em 2020, quase o mesmo nível de 2003, apagando anos de ganhos duramente conquistados na saúde pública do país.”

“[Eu] nunca vi uma mudança tão grande, exceto nos livros de história”, observou a demógrafa do CDC Elizabeth Arias .

Por óbvio, um declínio na expectativa de vida deve ser esperado em meio a uma pandemia séria. E, de acordo com o Journal, a Covid-19 foi a causa direta ou contribuiu para 385.201 mortes nos Estados Unidos em 2020. Mas, além dessas mortes, muitos dos fatores que impulsionaram a queda na expectativa de vida provavelmente tiveram mais a ver com a resposta da mão pesada do governo à pandemia do que com o próprio vírus.

Por exemplo, a Covid foi a 3ª maior causa de morte em 2020. As duas primeiras foram doenças cardíacas e câncer. Em ambos os casos, essas ameaças letais foram exacerbadas por lockdowns impostos pelos governos, cuja intenção era conter a disseminação da Covid-19.

“Muitas pessoas pularam ou atrasaram tratamentos no ano passado para condições como diabetes ou hipertensão e sofreram isolamento, estresse e interrupções na dieta normal e nas rotinas de exercícios”, explica o Journal. Da mesma forma, muitas pessoas atrasaram os exames de câncer e outros cuidados médicos cruciais devido às paralisações do governo.

Dessa forma, a “cura” do governo para a pandemia impulsionou outras formas de doença. Da mesma forma, as mortes por desespero aumentaram à medida que os lockdowns geraram problemas de saúde mental, crises econômicas e isolamento. Por exemplo, as overdoses letais de drogas aumentaram 29% no ano passado. Surpreendentes 93.000 norte-americanos perderam a vida por causa disso. Por quê?

Lockdowns e outras restrições pandêmicas isolaram os dependentes de drogas e tornaram mais difícil conseguir o tratamento”, reportou a Associated Press.

Claro, os proponentes de intervenções governamentais pandêmicas diriam que esses efeitos de segunda ordem, embora trágicos, foram subprodutos necessários das ordens de lockdown de que precisávamos para acabar com a pandemia. O problema desse argumento é que não está claro se os lockdowns conseguiram realmente alguma coisa.

Como o jornalista Brad Polumbo explicou anteriormente para a revista Newsweek:

Dezenas de estudos, desde então, mostraram pouca ou nenhuma correlação entre o rigor do lockdown e a contenção da propagação da Covid-19. Da Flórida a Nova York, estados que adotaram diferentes abordagens para lidar com a Covid-19 não mostraram nenhum padrão claro ilustrando o sucesso de medidas de contenção severas, apesar de seus custos drásticos.

De fato, um estudo chegou a concluir que a Covid-19 se espalha de forma mais virulenta em casa — sugerindo que as ordens do “fique em casa” foram mais do que ineficazes e, na verdade, contraproducentes. Da mesma forma, uma pesquisa da Rand Corporation não encontrou nenhuma evidência de que as medidas funcionaram. E outra análise descobriu que os custos dos esforços de mitigação excederam os benefícios para 89% da população.

Portanto, quaisquer benefícios derivados das árduas e dolorosas medidas de lockdown foram mínimos, na melhor das hipóteses. Mas, como mostra a queda na expectativa de vida dos norte-americanos, os custos foram graves e inegáveis.

E a expectativa de vida no Brasil?

No Brasil, também há estimativas de que a expectativa de vida tenha reduzido em 2020. Pesquisando, não encontrei um relatório feito pelo governo (como foi o caso nos Estados Unidos), mas encontrei essa matéria da CNN, que cita um estudo conduzido por uma pesquisadora brasileira, Márcia Castro, que trabalha na Universidade de Harvard.

O artigo científico, publicado em 29 de junho na revista Nature Medicine e revisado por pares, baseado no número total de mortes reportadas no Brasil em 2019 e 2020, estima que em 2020 houve um declínio na expectativa de vida ao nascer de 1,31 ano, sendo que a queda foi maior para os homens (1,57 ano) do que para as mulheres (0,95 ano). Essa queda devolveu a expectativa de vida brasileira ao nível observado em 2014.

Ainda segundo o estudo, nos 4 primeiros meses de 2021 houve mais mortes relacionadas à Covid-19 no Brasil do que em todo o ano de 2020. O estudo estima que as mortes apenas desses primeiros 4 meses já fizeram e expectativa de vida em 2021 cair mais 1,78 ano e que o resultado final no final do ano será uma queda ainda maior.

Segundo a matéria da CNN, “o número de mortes pelo vírus fez a vida estimada da população brasileira cair de 76,74 anos para 74,96”. Eu não encontrei esses números no artigo (pode abrir o artigo e fazer um Ctrl + F você mesmo), talvez a CNN tenha feito alguma conta por conta própria. O que eu encontrei no estudo foi que de 1945 a 2020, a expectativa de vida no Brasil aumentou de 45,5 para 76,7 anos.

Embora eu acredite e concorde com a principal ideia do estudo (a de que a expectativa de vida no Brasil reduziu em 2020), eu vejo alguns problemas nele.

O primeiro problema que vejo nesse estudo é com relação à estimativa para 2021: ela considera as mortes apenas dos 4 primeiros meses do ano – quando a vacinação ainda não tinha começado ou estava começando – e as toma como base para derivar uma conclusão pessimista para o ano de 2021. A meta do Ministério da Saúde é vacinar toda a população adulta do país com duas doses até o final do ano, o que deve reduzir o número de mortes relacionadas à Covid nos próximos meses.

Além disso, há pesquisas identificando bebês que já nascem com anticorpos contra a Covid-19 herdados das mães, mesmo de mães assintomáticas. Isso não deveria contribuir para aumentar a expectativa de vida deles, e não reduzir? O artigo não faz menção a essa pesquisa com bebês, talvez porque seus resultados ainda sejam preliminares.

O segundo problema que vejo é que o artigo fala muito da Covid-19, mas não menciona as imposições governamentais e seus danos colaterais. Até na discussão, onde se lê (tradução livre minha):

Segundo, a Covid-19 interrompeu os serviços de atenção primária no Brasil. Isso comprometeu o rastreamento do câncer, com uma redução de cerca de 35% em novos diagnósticos. A vacinação infantil foi reduzida, principalmente entre as crianças pobres da região Norte. A interrupção do tratamento e diagnóstico da tuberculose e HIV pode aumentar a mortalidade nos próximos 5 anos. As condições gerais de saúde dos diabéticos pioraram em 2020 devido à redução da atividade física, adiamento de consultas médicas e interrupção do tratamento regular com remédios. Estes são alguns exemplos de deterioração das condições de saúde que não só irão gerar uma maior demanda por serviços de saúde, mas também podem afetar os padrões de mortalidade futuros.

Foi a Covid-19 quem causou tudo isso? Ou foi o medo gerado na população pela mídia e pelos governos, que fez com que as pessoas não procurassem os serviços de saúde?

Por último, percebo na discussão um vocabulário carregado de emoção, o que não é comum em artigos científicos. O último parágrafo da discussão começa com: “Em resumo, o número de mortos de COVID-19 no Brasil foi catastrófico.” (ênfase minha) “Catastrófico” comparado ao quê? O próprio estudo lembra que a pandemia de influenza de 1918 reduziu a expectativa de vida nos Estados Unidos em 7 a 12 anos, redução pelo menos 5 vezes maior que a causada pela pandemia de Covid-19 no Brasil em 2020.

Também acho inapropriado comparar a pandemia de Covid-19 com a pandemia de influenza de 1918 sob diversos aspectos. Em números absolutos estimados, a gripe espanhola matou entre 17 milhões e 50 milhões, possivelmente até 100 milhões, de janeiro de 1918 a dezembro de 1920, enquanto a pandemia de Covid-19 matou 4 milhões de dezembro de 2019 até o momento, julho de 2021. Colocando isso em perspectiva, a diferença é ainda maior, visto que a população mundial só atingiu 2 bilhões de pessoas em 1928, enquanto hoje, em 2021, estamos nos aproximando dos 8 bilhões de pessoas. As condições sanitárias, médicas e tecnológicas também são bem diferentes, então é pouco provável que uma pandemia como a de 1918 venha a se repetir. Também é provável que a pandemia de Covid-19 não dure muito mais em função da vacinação que avança em todo o mundo, e em particular no Brasil, que é o objeto do estudo.

Ainda na discussão, são perceptíveis pitadas de política: críticas ao programa de auxílio emergencial do governo federal, menção à CPI da Covid e acusação de que o governo propaga “desinformação” – o que muitas vezes é verdade, mas muitas outras vezes a palavra “desinformação” tem sido usada no lugar de “informação que eu não concordo”.

Eu tive a curiosidade de ver quem foram os responsáveis pela revisão (peer review) desse artigo. O primeiro nome da lista é Pedro Hallal. Volto a ele já já. Desconheço os demais revisores, então não posso opinar sobre eles.

Saindo do estudo, me lembrei que a autora Márcia Castro já participou de uma entrevista com nosso conhecido profeta do apocalipse Atila Iamarino. Veja um trecho:

Você lembra das aulas de ciência da época da escola de alguma doença que se combate com “voto”? Eu, não.

Voltando ao Pedro Hallal. Ele era reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) no ano passado e ganhou um certo destaque na mídia depois do início da pandemia, conduzindo uma pesquisa que fez previsões alarmistas no mesmo estilo das do Atila. Esse ano, ele virou colunista da Folha – em uma de suas colunas, ele avaliou a resposta da Suécia à pandemia como um “incrível fracasso”, já falei o que penso sobre isso em outro texto – e depôs na CPI da Covid. De modo geral, ele é contrário à forma como o governo brasileiro enfrentou a pandemia e, portanto, nesse sentido, alinhado com Márcia Castro e Atila Iamarino.

Vejo pessoas implicando com ele nas redes sociais por sua graduação em Educação Física, mas acho que isso não vem ao caso, porque ele tem mestrado e doutorado em Epidemiologia. Meu problema é com os posicionamentos dele, com os quais não concordo.

Por exemplo, ainda hoje Pedro Hallal é a favor de lockdown, apesar das evidências científicas de que lockdowns são inefetivos no combate à Covid-19.

Ele também é a favor do “fique em casa”, mas não conseguiu explicar como ele mesmo contraiu a doença – supondo que ele mesmo seguiu a própria recomendação. Veja um trecho de uma entrevista que ele concedeu à Rádio Guaíba em 11 de janeiro:

Tudo bem que seja uma questão pessoal. Concordo que ele não deve essa explicação. Mas não muda o fato que ele é um exemplo vivo de que o “fique em casa” não funciona.

Na CPI da Covid, Pedro Hallal afirmou que “comemorar 16 milhões de curados é como comemorar o gol do Brasil para a Alemanha, no jogo que foi 7 a 1 para a Alemanha”.

Como assim? De acordo com números do Ministério da Saúde (covid.saude.gov.br), o Brasil tinha, em 27 de julho, um total acumulado de 19.707.662 casos de Covid-19, dos quais 18.398.567 já haviam se recuperado e 550.502 vieram a óbito. Dividindo o número de recuperados pelo número de óbitos, temos uma proporção de 33 para 1. Cada morte com Covid é triste. Mas para cada pessoa que morreu com Covid, outras 33 se recuperaram. A morte deve ser lamentada, mas a vida não pode ser comemorada?

Detalhe: nem Globo, nem Folha reportam números de recuperados.

Também é falacioso dizer que “16 milhões de curados significa que 16 milhões delas ficaram doentes, então não é motivo para comemoração”, como se o governo pudesse ter feito alguma coisa para evitar esses casos. Países que adotaram a estratégia de “zero casos” de Covid falharam miseravelmente.

Hallal argumenta ainda que outro motivo pelo qual não se pode comemorar os recuperados é que a doença deixa sequelas, que ainda estão sendo estudadas. Eu sinceramente não duvido, como tem acontecido com todo alarmismo pandêmico até agora, que já já teremos estudos mostrando ou que essas sequelas são raras, ou que elas até são comuns, mas as graves são raras, ou que mesmo delas as pessoas se recuperam depois de um tempo.

Como alguém ainda consegue levar a sério essas pessoas?

Diante do exposto, fico um pé atrás com esse estudo sobre o Brasil. Vou esperar outro.

Finalizando, sugiro que assista a esse vídeo do canal Visão Libertária que fala sobre a politização da ciência:

Autor: Brad Polumbo

Brad Polumbo (@Brad_Polumbo) é um jornalista libertário-conservador e correspondente político na Foundation for Economic Education.

Tradutor: Cabeça Livre

Esse texto é uma tradução da matéria originalmente escrita por Brad Polumbo em 23 de julho de 2021 para a FEE.

O texto original, em inglês, publicado sob a licença CC BY 4.0, pode ser conferido em:

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